quinta-feira, 19 de abril de 2012

Kraftwerk Moma



NOVA YORK - Kraftwerk é música de museu, e a afirmativa não é anacronismo gratuito. A banda que melhor soube prever o futuro do pop apresentou, por uma semana, seu repertório completo no átrio do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). 

Criadores do synth-pop e avôs da eletrônica, eles se tornaram o primeiro grupo de música popular a receber de uma instituição artística de prestígio planetário o tratamento dado a medalhões das artes plásticas em mostras definitivas. "Retrospectiva 12345678" se tornou o evento da primavera, com os ingressos mais disputados da atual temporada cultural da cidade. 

Para a derradeira apresentação, na noite de terça-feira, cambistas vendiam por US$ 500 entradas que, em fevereiro, a US$ 25, esgotaram-se em menos de uma semana. Além da possibilidade de revisitar clássicos como "Autobahn" e "Trans-Europe Express", o curador Klaus Biesenbach, diretor do PS1, espaço de arte contemporânea do MoMA, providenciou um luxuoso acompanhamento visual em 3-D. 

O público, 450 felizardos por noite, foi convidado a se imaginar no mitológico estúdio Kling Klang — localizado na parte industrial de Düsseldorf, na Alemanha, onde a banda gravou seus oito trabalhos principais, entre 1974 e 2003 — enquanto se deliciava com uma pequena rave em um dos mais nobres endereços de Manhattan. "A ideia é que você esteja no MoMA, junto com o artista, fazendo arte", afirmou Biesenbach ao anunciar a retrospectiva. 

Se não chegou a tanto, o público de terça-feira dançou por duas horas, ensaiou coreografias, brincou com os datados óculos 3D de cartolina branca e ocupou, para desespero dos seguranças, as passarelas do terceiro e do quarto andares, com vista privilegiada para o átrio. Uma das principais novidades da expansão do museu, idealizada pelo japonês Yoshio Ta$. O espaço, com pé-direito de 33,5 metros, nunca foi ocupado de maneira tão plena. 

Um DJ do Brooklyn definiu a noite como "uma grande instalação artístico-musical": — Vi o espetáculo da boca do palco, depois fui para a lateral, na esquina da lojinha do segundo andar, e, por fim, observei tudo de cima, nas passarelas. A única coisa que não fiz foi deixar o gravador de meu celular desligado. Esta música, quero guardar para sempre — contou, imaginando usar um dia um sample dos alemães, como já fizeram, com mais ou menos sucesso, gente como Afrika Bambaataa, Big Audio Dynamite, Devo, Depeche Mode, Fatboy Slim, Chemical Brothers, DJ Shadow, Jay-Z, LCD Soundsystem e Fergie, entre muitos outros. 

A primeira parte da instalação musical de terça-feira foi dedicada a "Tour de France", as 12 faixas do disco apresentadas na íntegra sob a batuta do ciclista Ralf Hütter, 65 anos, o único remanescente da formação original do Kraftwerk. Ele dividiu o palco com o careca Henning Schmitz, 59, o grisalho Fritz Hilpert, 55, e o louro Stefan Pfaffe, 32. Desde o primeiro som os quatro foram acompanhados por sombras em tamanho gigante de si mesmos, projetadas na tela. 

Os efeitos gráficos as transformavam em fantasmas sacolejantes, contrapostas aos corpos robóticos e quase mudos dos músicos de carne e osso. Além dos poucos efeitos vocais e de imagem criados pelos quatro "operadores" (como preferem ser chamados) a partir dos enormes consoles localizados à frente dos artistas, o público recebeu um "até breve" de Hütter ao fim da maratona eletrônica. E só. 

O resto foi música. Na expressão cunhada por Biesenbach, compatriota de Hütter e fundador do Instituto de Arte Contemporânea de Berlim, o som do Kraftwerk é uma "pintura musical" criada a partir de sugestões melódicas, vocábulos oriundos de diversas raízes linguísticas, ritmos robóticos e o uso originalíssimo de sintetizadores vocais. 

No MoMA, tal pintura se traduziu em trilha sonora de um indisfarçado saudosismo pela modernidade. Faixas dos outros discos do Kraftwerk — "Autobahn" (1974), "Radio-Activity" (1975), "Trans-Europe Express" (1977), "The Man-Machine" (1978), "Computer world" (1981), "Electric Café/Techno pop" (1986) e "The mix" (1991) — foram apresentadas na ordem e levaram o público a expressões de êxtase que contrastavam com a fleuma dos músicos. 

Um Fusca cinza apareceu na tela que tomou forma de um gigantesco videogame a guiar o público por uma estrada em "Autobahn". À viagem por campos e parques industriais seguiram-se o trem de "Trans-Europe Express", em que as únicas luzes estão nas cabines dos vagões, o sol negro do gerador nuclear de "Radio-Activity" e as notas musicais em tamanho gigante que voavam sobre a plateia em "Techno pop". KGB, Hiroshima, robôs, o bate-estaca industrial, arcaicos computadores pessoais. 

O mundo ocidental do século passado atravessou a passarela no museu das grandes novidades da "Retrospectiva 12345678". A vanguarda que ele um dia representou é hoje o lugar-comum da música popular. 

Enquanto o novo disco, prometido para este ano, não sai do alto-forno de Kling Klang, quem passar por Nova York até maio ainda pode aproveitar os oito vídeos selecionados por Biesenbach em exposição no PS1, no Queens. É música de museu, no melhor dos sentidos.


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