Prestes a completar 83 anos, o britânico
Peter Zinovieff conta como inventou o sintetizador portátil, que mudou a música
de Pink Floyd, The Who, David Bowie e Kraftwerk, e diz que o pop atual é ‘muito
repetitivo’
Em 1973, a banda inglês Pink
Floyd lançava o álbum “ The Dark Side of The Moon”, cultuado até hoje como um
dos discos mais revolucionários da história do rock. Entre os seus atrativos,
estavam sons “estranhos” ruídos tecnológicos que pouco tinham sidos ouvidos até
então — como a viagem lisérgica que conduz a terceira faixa “On the Run” repleta de oscilações e desconstruções sonoras.
O instrumento que permitiu tais efeitos havia sido usado pouco antes em “Won’t get
fooled again”, da banda The Who, também inglesa, com Peter Townshed distorcendo
o som do órgão em baixa frequência.
E seduziu artistas de diferentes gerações
como David Bowie, integrante dos Beatles, Led Zeppelin, Kraftwerk, Portishead e
Chemical Brothers. Batizado de VCS 3, foi lançado em 1969 pela companhia
inglesa Electronic Music Studio (EMS) e é considerado por muitos o primeiro sintetizador
portátil do a ser comercializado no mundo. A inovação estava exatamente em sua
dimensão — diferentemente dos modelos complexos criados por Robert Moog, que
podiam o ocupar uma parede inteira, o VCS 3 era do tamanho de uma maleta.
A inovação surgiu da mente Pete
Zinovieff, um dos fundadores da SEM. Filho de russos que imigraram para Londres
fugindo da revolução Russa de 2017,ele se formou em Geologia pela Universidade
de Oxford. Casou-se aos 27 anos com Victoria, uma jovem que não aceitava as
frequentes viagens do geólogo pelo mundo. A saída de Zinovieff foi volta-se
para a música, paixão que cultivou durante a faculdade. Inquieto, ele não se
contentava com os sons que criava no piano.
— Quando resolvi foca nisso, meu
objetivou passou a ser criar sons que não eram possíveis com os instrumentos
que tínhamos na época (década de 1960).
Meu negócio era experimental, eletrônica. Quase ninguém fazia isso. Criei um
estúdio complexo, impensado até então — explica o inglês prestes a completar 83
por telefone, de sua casa em Londres, repleta de computadores e processadores
de última geração.
Após algumas demonstrações públicas
e concertos improvisados da música eletrônica, o novo produto que custava 330
libras passou a ser cobiçado do por artistas britânicos de rock.
"USO MAIS INOVADOR FOI DO PINK FLOYD"
Para construir o estúdio,
Zinovieff comprou antigos equipamentos da Marinha, encheu um cômodo de sua casa
de osciladores e amplificadores, e adquiriu o que jura ser o primeiro
computador doméstico da história - um PDP-8, modelo industrial que tinha cerca
de quatro quilobytes de memória e custaria, hoje em dia, algo em torno de 100
mil libras (financiado pela venda uma tiara que seu sogro tinha dado para a
filha). Da necessidade de ganhar dinheiro para bancar seu trabalho como
compositor de trilhas e da associação com engenheiros eletrônicos e
pesquisadores nasceu a EMS - e o VCS 3.
Após algumas demonstrações
públicas e concertos improvisados de música eletrônica, o novo produto, que
custava inicialmente cerca de 330 libras, passou a ser cobiçado por artistas britânicos
de rock progressivo. Com isso, Zinovieff, até então avesso à música popular - a
ponto de ter negado um encontro com Paul McCartney -, foi obrigado a baixar a
guarda. E passou a receber artistas como Ringo Starr, David Gilmour, Roger
Waters, David Bowie e Karlheinz Stockhausen.
— Eu não ensinei nada a esses
caras. Assim que eles começaram a experimentar meu sintetizador, eles
imediatamente superaram qualquer coisa que eu poderia lhes ensinar. Por isso,
são geniais. Eles tiveram o feeling e souberam tirar daquilo o que queriam. E
também é por isso que os efeitos que o sintetizador causou em suas canções
foram tão diferentes entre si — conta Zinovieff, que não titubeia quando
perguntado sobre a banda que melhor soube usar sintetizadores em sua obra. —
Pink Floyd, sem dúvidas. Eles usaram a máquina da maneira mais inovadora
possível, e fizeram músicas extraordinárias que ninguém tinha escutado até
então. Dos artistas mais novos, o Portishead também faz um bom trabalho.
Como todo inventor, o senhor de
humor tipicamente inglês já foi rotulado de "louco" algumas vezes.
Como quando o falecido Jon Lord, ex-organista e tecladista da banda Deep
Purple, visitou seu elaborado estúdio e o viu discutindo com o computador e
esperando uma resposta. E é com orgulho que Zinovieff conta da vez em que, ao
lado do compositor Harrison Birtwistle, ex-diretor do Royal National Theatre,
escalou o Big Ben para gravar um sample do barulho do relógio.
— Em 1971, eu e Birtwistle
estávamos trabalhando numa composição chamada "Chronometer '71",
basicamente distorções eletrônicas do barulho de relógios, e a maior parte da
trilha é gravada no Big Ben. Escalamos até o topo da torre e botamos microfones
em qualquer mecanismo que fosse possível. Deu um grande trabalho conseguir
aquela autorização, mas foi uma ótima aventura — diverte-se.
"O TECLADO É O DEMÔNIO PARA A MÚSICA"
A música é uma das faixas do
álbum "Electric Calendar/The EMS Tapes", uma retrospectiva de
experimentações feitas entre 1965 e 1979 (ano em que a EMS declarou sua
falência) que Zinovieff lançou em julho do ano passado. Por falar em sample, o
inglês alegou, em recente entrevista ao jornal britânico "The
Guardian", que também é o criador do processo de sampling:
— O que eu quis dizer é que fui o
primeiro a usar samples em um computador. Com certeza, outras pessoas já tinham
gravado sons aleatórios antes, mas nunca tinham organizado-os em uma máquina a
fim de criar músicas a partir disso.
A falência da empresa e a
consequente venda de seu estúdio ("o pior momento da minha vida",
lembra) fizeram Zinovieff passar os 30 anos seguintes sem compôr músicas. Nesse
meio tempo, virou professor universitário e estudou design gráfico. Mas,
incentivado por um fã músico, que encomendou uma de suas trilhas, voltou a se
dedicar à arte em 2010, construindo um novo estúdio hi-tech. Ele reconhece que
é saudosista e, por isso, segue sem gostar de música pop:
— Hoje em dia, tudo é muito
fácil. Qualquer um compra programas de edição e pode fazer música. Somos
constantemente bombardeados por música ruim. Eu ligo a televisão e me
desespero, diariamente. E é por isso que eu nunca quis que botassem um teclado
conectado a um sintetizador.
O teclado é como um demônio para
a música, porque ele tornou tudo muito preguiçoso. Vamos dizer que você queria
adicionar flauta em uma música que está criando. Como as pessoas têm feito
isso? Elas pegam o teclado e emulam o som. Elas não tocam mais a flauta, por
pura preguiça. O teclado e suas facilidades têm afastado o lado orgânico da
música. Tudo virou repetitivo.
É por isso que bandas como Pink
Floyd, Rolling Stones e Led Zeppelin seguem ganhando milhões em turnês pelo
mundo. As pessoas sabem que elas ainda soam originais, diferentemente de muita
coisa produzida por músicos atuais.