Rock&Folk - Porquê vocês fizeram aquela viagem para Los
Angeles no verão passado?
Ralf Hütter - Nós fizemos uma mixagem final no estúdio
Record Plant. Mas principalmente é porque nosso álbum evoca a cultura européia,
ele é espiritualmente europeu e esta é uma nova consciência que nós descobrimos
durante nossa viagem pelo continente americano em 75. Todos nos perguntavam
como era a vida na Alemanha, em Paris. As pessoas queriam saber como estava
nossa cultura naquele ponto. Elas costumavam dizer que nós não éramos
rock'n'roll, então graças a estas viagens transatlânticas nós descobrimos nossa
identidade cultural como europeus.
Rock&Folk - Em seu show, vocês tocaram duas novas
músicas referentes à Europa: "Europe Endless" e "Trans Europe
Express". Vocês realmente acreditam nesta consciência européia? Vocês não
são mais alemães?
Ralf Hütter - Isto não é um sentimento nacionalista...a
cultura da região do Reno é nossa formação cultural. O que nos surpreendeu nos
EUA é que todos mostram sua própria formação, mais do que na Europa, embora nós
tenhamos museus e uma história muito rica. Nos Estados Unidos, no entanto, há
somente "guetos", então as pessoas são questionadas para mostrar sua
formação em um nível psicológico e individual...
Florian Schneider - Quando você está em um estúdio
americano, há um distanciamento que permite a nós ver tudo isso muito
claramente.
Ralf Hütter - Na Alemanha, os jovens tocam música americana,
e nós, em Hollywood, tocamos música alemã...
Florian Schneider - Quando eu ouvia músicos americanos, é
claro que isto não tinha nada a ver com aqueles jovens alemães que achavam que
tocavam de forma "americana"...
Rock&Folk - Vocês não acham que estão na mesma posição
que Fritz Lang, fazendo algumas produções americanas (thrillers) em Hollywood,
mas filmes impregnados de uma cultura expressionista alemã?
Ralf Hütter - Sim, de certo modo. A distância permite ver
mais claramente. Para ter consciência das coisas, você deve sair e observar.
Para nós, o problema era sair para fora de nós mesmos, fora de nossa existência
limitada pelas mesmas turnês pela Alemanha, para olhar para nossa própria
cultura à distância.
Rock&Folk - Vocês poderiam explicar seu sucesso atual
através dessa conscientização?
Ralf Hütter - Eu não tenho nenhuma explicação racional,
ainda mais para as pessoas, na França por exemplo, compram nossos discos mas
não vêm realmente aos nossos concertos.
Rock&Folk - Desta forma, como vocês explicam esta
diferença entre os álbuns e as turnês?
Ralf Hütter - O álbum sempre começa de um conceito:
"Radioactivity" veio de uma idéia que nos fascinou por muito tempo, o
conceito de rádio e todos os fenômenos das ondas do ar, como a transmissão do material
radioativo. Nós estávamos envolvidos por aquelas coisas, concluindo a idéia de
que aquele álbum já estava em nossas cabeças no mínimo havia três anos. Durante
nossa primeira turnê nos EUA, nós visitamos todas as rádios independentes, onde
nós nos víamos como uma estação de rádio...mas é impossível montar algo como
aquilo na Alemanha, por causa do monopólio estatal. Então, a única forma de
fazer isto é através dos discos, e usar os shows para aumentar ainda mais a
"mídia do disco". Mas poucas pessoas ainda vêm aos nossos shows, por
causa da dificuldade de imaginar que esta é uma banda que toca sua música e que
ela não pode ser totalmente reproduzida ao vivo. Elas achavam que era só
trabalho de estúdio... como Sargent Pepper's, por exemplo, o qual os Beatles
não tocavam ao vivo porque eles sabiam somente três acordes.
Rock&Folk - Algumas pessoas maldosas compararam o
sucesso de "Radioactivity" ao sucesso de "Pop Corn"...
Ralf Hütter - "Pop Corn" foi somente um
"truque". Não havia ninguém por trás daquilo, enquanto que para
"Radioactivity", é nosso dever (e talvez mesmo de vocês) mostrar o
que está por trás disso. Foi indispensável para nós produzir aquele álbum e ir
além daquilo. É uma etapa e o testemunho de um momento.
Rock&Folk - Aquele disco fascinou pessoas como Bowie e
Iggy Pop...
Ralf Hütter - Isto é normal. É um pouquinho como um
instantâneo, um diafragma que lança luz exatamente sobre um aspecto mental e
musical que ninguém havia pensado antes. Aqui, as pessoas sempre estavam
tirando fotos de ingleses e americanos, e nós tínhamos que virar a câmera e
tirar uma foto de nós mesmos para nos mostrar para a mídia, porque a geração
alemã pós-guerra permanecia nas sombras: aqueles que eram mais velhos que nós
tinham Elvis e Beatles como ídolos...estas não eram opções ruins, mas se nós
esquecemos completamente nossa identidade, nos tornamos rapidamente
"vazios" e sem consistência. Há toda uma geração na Alemanha, entre
os 30 e 50 anos, que perdeu sua própria identidade, e que ainda não teve uma.
Rock&Folk - Então vocês pretendem estar preparados para
ajudar a juventude alemã a encontrar sua própria identidade?
Ralf Hütter - A vida cultural da Europa central foi
interrompida nos anos 30, e todos os intelectuais foram para os EUA ou para a
França, ou foram eliminados. Nós pegamos de volta aquela cultura dos anos 30 a
partir do ponto em que ela foi deixada, isto em um nível espiritual...
Florian Schneider - Instrumentos eletroacústicos foram
desenvolvidos na Europa, na Alemanha, na França...
Rock&Folk - Então vocês fazem uma conexão entre a
cultura do passado, mas utilizando ferramentas modernas, e usando os meios de
comunicação em massa no formato americano...
Ralf Hütter - O gravador de fita foi inventado na Alemanha!
Nós também usamos microfones na Alemanha. Mas, é claro, não há uma questão de
um culto nacional...
Rock&Folk - Para algumas pessoas, vocês estão fazendo
uma música primária, embora suas justificativas musicais sejam altamente
intelectuais.
Ralf Hütter - A verdade é que é muito difícil compor algo tão
simples como "Autobahn", difícil de desenhar a linha mais curta entre
dois pontos...
Florian Schneider - É como na ciência: pode parecer muito
simples, átomos e radioatividade...uma vez que é descoberto!
Rock&Folk - É porque vocês precisam se sentir próximos
ao público que vocês escolheram o mundo do rock e mencionam os Beach Boys como
referência?
Ralf Hütter - Sim, em suas canções eles conseguem concentrar
o máximo de idéias fundamentais. Daqui a 100 anos, quando as pessoas quiserem
saber como era a Califórnia nos anos 60, bastará ouvir uma faixa dos Beach
Boys.
Rock&Folk - Então, da mesma forma, quando as pessoas
quiserem saber algo sobre a Europa em 1976, elas irão ouvir Kraftwerk?
Ralf Hütter - Sim, eu espero. Se nosso trabalho de
comunicação realmente funcionar bem...
Rock&Folk - Então, em qual direção vocês estão
trabalhando? Em direção a algo mais "robótico"?
Ralf Hütter - O aspecto "visual" do nosso trabalho
será ampliado. Quando você trabalha com fita, ela gira, ela se torna um filme,
além da música. Eu não quero dizer que iremos produzir filmes - nós já
produzimos um, bem curto - iremos fazer melhor: durante os shows, incluir balés
eletrônicos nos quais iremos atuar nós mesmos, fazendo movimentos com nossos
corpos, movimentos que correspondem a certas vibrações...alguns conceitos novos
nos quais estamos trabalhando para nossa próxima turnê. Nós temos máquinas que
permitem que estas idéias se tornem realidade, e enquanto elas fazem isto, nós
podemos ir adiante, para um próximo passo...
Florian Schneider - As outras bandas alemãs, com a ajuda de
suas máquinas, estão fazendo uma viagem retrospectiva, enquanto nós estamos
fazendo uma viagem adiante.
Rock&Folk - Para as outras bandas "espaciais"
alemãs, parece que elas se recusam a ver as máquinas como elas são, e elas
propõem uma meditação, ao invés disso. Para vocês, as máquinas exibem-se como
elas mesmas e tornam-se uma forma de provocação, de agressão...
Ralf Hütter - É agressão e beleza agressiva.
Florian Schneider - Nós também temos melodias, tentamos
criar um contraste entre estes dois elementos.
Ralf Hütter - Nós compomos nossas melodias enquanto
cantarolamos no estúdio, e o ritmo vêm dos sons das máquinas.
Rock&Folk - Em relação ao que as pessoas vêem no palco,
é uma referência consciente aos grandes filmes expressionistas alemães como
"O Gabinete do Dr. Caligari" ?
Ralf Hütter - Sim, realmente, nós trabalhamos nisto...
Florian Schneider - Às vezes eu fico assustado com todas
aquelas coisas no palco, é tão difícil. Há muito barulho, mas funciona como uma
fascinação sado-masoquista.
Ralf Hütter - Na música eletrônica, diferente do que as
pessoas pensam, a psicologia faz a grande parte.
Rock&Folk - Quando nós fomos juntos à exposição
"Máquinas Celibatárias", vocês pareciam fascinados pela maioria das
máquinas diabólicas...
Ralf Hütter - Nós éramos solteiros (celibatários) também
(risos)!
Rock&Folk - Conte-nos sobre seu encontro com David Bowie
e seus projetos...
Ralf Hütter - Nós já deveríamos ter trabalhado juntos, mas o
sucesso do último álbum nos forçou a fazer uma turnê até outubro, e nossos
projetos foram adiados. Mas, com Bowie, o que nos aproximou um do outro foram
principalmente considerações sobre psicologia. É o mesmo com Iggy. A propósito,
nós dedicamos uma canção de nosso novo álbum a eles (TEE)... Eles são como nós,
grandes fãs de trens. Nenhuma outra banda poderia evocar o mundo dos trens
melhor do que nós, eu acho. A música metálica, metal no metal... Nós iremos
gravar com Bowie. Ele virá à Düsseldorf em breve para isso. Nós ainda não
sabemos o que iremos fazer juntos, é mais um encontro...
Florian Schneider - Nós sempre estivemos interessados pelo
que Bowie está fazendo, especialmente nos seus últimos álbuns (*Heroes, Low).
Ele começou do rock, e está agora nos passos da música eletroacústica, enquanto
nós fizemos o caminho inverso, da música eletrônica para o rock...então eu acho
que aconteça o que acontecer será sensacional.
Ralf Hütter - Eu acho que é o mesmo tipo de pesquisa para a
criação do homem sintético. Nós éramos fascinados pela criação deste conceito e
tentamos desenvolvê-lo por nós mesmos, sem a ajuda de um produtor. Qualquer um
que trabalhe no show business espera por outra pessoa para criar sua imagem
específica. Nós dissemos a nós mesmos: não queremos esperar, vamos descobrir a
nós mesmos sozinhos.
Florian Schneider - Geralmente, por trás das estrelas, há
sempre um Coronel Parker (*o empresário de Elvis)...
Rock&Folk - Vocês acham que as pessoas estão fazendo o
equivalente ao seu trabalho em filmes, pinturas, etc...?
Ralf Hütter - Emil Schult, que trabalha conosco, é um aluno
de Joseph Beuys, o mais famoso mestre alemão das artes visuais, um dos
criadores do grupo Fluxus, interessados em ações e performances. Emil trabalha
no lado visual de nossos shows e escreve algumas das letras. Na Alemanha, já
faz uns cinco anos, há um grande movimento de cineastas independentes dos quais
nos sentimos bem próximos. Por exemplo, Fassbinder usou nossa música para seu
próximo filme "A Roleta Chinesa", e nós trabalharemos com ele
novamente no futuro. Toda esta consciência paranóica é uma especialidade dos
filmes alemães. Todo jovem cineasta alemão é constrangido pela câmera...
Rock&Folk - Como nos filmes expressionistas nos quais
havia somente uma visão poética da realidade...
Ralf Hütter Sim,Exatamente.
Rock&Folk - Qual é o significado de "Europe
Endless", esta nova música que vocês cantam no palco?
Ralf Hütter - Nós viajamos por toda a Europa, e
especialmente após a turnê nos Estados Unidos, nós percebemos que a Europa é
principalmente "parques e velhos hotéis"..."praças e
avenidas"..."vida real"...vida real, mas em um mundo de cartões
postais. A Europa, quando nós voltamos dos Estados Unidos, era somente uma
sucessão de cartões postais.
Rock&Folk - Vocês foram a alguns concertos durante sua
viagem aos EUA? Vocês assistiram aos Beach Boys ao vivo?
Ralf Hütter - Sim, nós os vimos em um grande estádio. Foi
incrível, como um renascimento. Há uma canção maravilhosa e comovente em seu
último álbum, "Once in my life". Eu gostaria de me atrever a dizer
uma vez na vida o que Brian Wilson diz naquela canção...
Rock&Folk - De onde vem sua paixão pelos Beach Boys ?
Ralf Hütter - A inteligência de seus pensamentos em relação
à realidade americana, colocada nos discos.
Florian Schneider - Quando nós percebemos como era a
Califórnia e Hollywood, estávamos prontos para dizer: sim, é exatamente isso, é
como nas canções dos Beach Boys.
Rock&Folk - E vocês gostariam que as pessoas dissessem o
mesmo em relação à sua música e a Europa, e especialmente a Alemanha ?
Ralf Hütter - Isto é exatamente o que Bowie nos disse:
quando ele vem para nos ver em Düsseldorf em sua Mercedes, ele pega a rodovia
enquanto ouve "Autobahn" no carro. Ele diz: é exatamente assim, está
tudo em sintonia.
Rock&Folk
- E com Iggy Pop?
Ralf Hütter - Nós o encontramos em um elevador, e foi um
contato real e imediato. Eu sempre gostei do que os Stooges faziam: eles
"ousavam". Com a eletrônica, você pode se esconder atrás das
máquinas, ou você pode se expor. Há várias formas de se exibir. Provavelmente
nós estávamos também interessados em Iggy por causa das performances do Fluxus
nas quais eu estava envolvido quando era estudante... "ação, ação,
baby!". Com instrumentos eletrônicos, você pode estar sozinho, totalmente
só no palco, como Iggy: você não precisa ter uma guitarra para se esconder.
Para cada uma das descobertas físicas do rock correspondem algumas descobertas
psicológicas terríveis e fundamentais, como ler um livro que muda a visão de
mundo que você tinha antes. Após isto, você nunca caminha exatamente da mesma
forma.
Rock&Folk - Porquê vocês estão usando este estranho
sistema no lugar da percussão?
Ralf Hütter - Iggy Pop, por exemplo, era um baterista e ele
parou de tocar mais tarde. Ele se tornou cantor. Com a percussão, o baterista
se esconde atrás de uma "ação". Nosso propósito foi abrir, dar um
passo adiante e produzir música para alto-falantes poderosos. Nós não
poderíamos consegui-lo com um baterista tradicional: com nossos dois
percussionistas, nós trabalhamos meses para desenvolver aquele sistema, e ele
mudou nossas vidas.
Rock&Folk - O que estes dois bateristas representam
comparados a vocês dois?
Ralf Hütter - Eles são parte do Kraftwerk. É claro, com
Florian nós tocamos músicas por dez anos, enquanto eles trabalhavam conosco por
três anos apenas, eles penetraram lentamente no universo Kraftwerk. Nós não
poderíamos tocar nossa música com qualquer um. É importante estarmos preparados
para nos compreendermos uns aos outros, porque o humor eletrônico não é
evidente para todos.
Rock&Folk - Por favor, dê um exemplo deste humor
eletrônico...
Ralf Hütter - Bem, você pode ouvir "Autobahn" e
então dirigir na auto-estrada. Então você irá imaginar que seu carro é um
instrumento musical. Muitas coisas podem ser divertidas...é uma filosofia real
de vida que surge da eletrônica.
Rock&Folk - Algo como seu gosto por roupas e sapatos
cinzas, talvez?
Ralf Hütter - Sim, tudo vem de uma consciência diante de
gravadores, câmeras, todas aquelas máquinas produzidas pela eletrônica.
Rock&Folk - Qual é exatamente a função de Emil Schult ?
Ralf Hütter - Ele é nosso agente, ele escreve letras, toma
conta das luzes.
Florian Schneider - Quando eu encontrei Emil, e quando ele
mostrou seus desenhos para mim, achei que eles se pareciam com nossa música.
Rock&Folk - Vocês poderiam se separar algum dia?
Ralf Hütter - Nós já tentamos, mas não funcionou. Nossa
cumplicidade é tão estimulante: nós descobrimos uma série de coisas porque
estávamos juntos, e sozinhos nós nunca estaríamos onde estamos agora. É uma
dualidade necessária...kling-klang.
Rock&Folk - E o novo álbum? (* Viria a ser Trans Europe
Express)
Ralf Hütter - Ele será lançado em janeiro. Nós ainda temos
muito trabalho a fazer, porque desde que nós tivemos a chance de tocar as novas
músicas ao vivo, nós percebemos o que não funciona. De um lado, nossa música é
muito simples, montada ao redor de um roteiro, mas ao mesmo tempo muito experimental.
As novas músicas estão sempre nascendo das velhas, como um novo galho crescendo
em cima de outro. No nome do álbum, haverá é claro a palavra
"Europe", e a capa será feita de uma série de espelhos refletindo
nossas imagens. A propósito, há uma música chamada "The Hall of
Mirrors" no álbum: a história do que nós fizemos desde o início, nossa
viagem psicológica, de certo modo o outro lado do espelho.