Segundo a gravadora EMI, um grande interesse por parte da imprensa brasileira convenceu o grupo Kraftwerk a fazer uma rara sessão de entrevistas. A história mostra que pode-se contar nos dedos das mãos as pouquíssimas ocasiões em que trintenário grupo alemão falou aos jornalistas. Portanto o fato de o INTERNATIONAL MAGAZINE ter aberto a tarde de entrevistas na sede brasileira da EMI – em Botafogo, zona sul carioca - foi uma grande honra. Representando o grupo, o tímido e elegante Ralf Hütter conversou por meia hora conosco.
Vocês são ciclistas fanáticos. Não trouxeram suas bicicletas para o Rio?
Não. Porque sabíamos que a cidade é agitada – cheia de gente pelas ruas – e, além do mais, esse negócio de turnê é um corre-corre danado de ensaios, shows e... entrevistas (rindo)!
Como é que para vocês estar novamente na estrada, depois de cinco anos?
Bem, nos sempre fazemos concertos. Em 91 nós fizemos toda Europa, depois em 92 nos voltamos à Inglaterra e em 93 fizemos mais alguns shows. Ano passado nós tocamos num festival na Alemanha e esse ano nós estamos finalmente rodando o mundo.
Por quê vocês levam tanto tempo para gravar e lançar um disco?
Nós trabalhamos em nosso estúdio – Kling Klang, em Düsserldorf – e, como é um estúdio de eletrônica, trabalhamos o tempo todo – todo dia mesmo. Exercemos todo tipo de atividade, fazendo gráficos no computador, vídeos e também ajudamos na construção de instrumentos. Nos trabalhamos com alguns amigos em programas, tanto de fala como de música. Somos muito autônomos...
Mas e quanto tempo que vocês levam gravando um disco?
Ah, nosso tipo de música é muito diferente de qualquer outra. É tecno, portanto tem a ver com tecnologia. Fazemos instrumentos, criamos programação e nos anos 70 nós até inventamos alguns instrumentos... que agora estão até em uso. Nos ainda trabalhamos com nossos velhos sintetizadores em nosso repertorio mais antigo. Está tudo em cima, portanto temos muita coisa a fazer para que a música funcione.
Como vocês gravam?
Gravamos em Hard Disk,portanto o que não presta a gente simplesmente aperta um botão e apaga. Gravamos muito pouco, temos um processo bastante diferente de trabalhar. Pensamos antes de trabalhar e aí trabalhamos com direcionamento. É tudo digital, só trabalhamos com gravação em Hard Disk.
Mas vocês cancelaram o lançamento “Technopop” em 1983.
Ele não foi cancelado... porque ele simplesmente nunca foi terminado. Estávamos trabalhando nele e talvez o lançamento tenha sido anunciado. Mas, muito embora estivéssemos trabalhando nele, de uma hora para outra lançamos outra coisa e no final mudamos o titulo para “Eletric café”. Talvez no futuro o lancemos.
Antes que saia no mercado pirata, né? Afinal, o primeiro álbum de vocês – ainda como Organization – tem sido reiteradamente pirateado nos últimos anos.
Bem, aquele disco não tem nada a ver com a gente. Foi apenas uma gravação de teste, nem mesmo a titulo de historia tem a ver com a gente. Um engenheiro gravou, mas aquilo nada tem a ver com o Kraftwerk. Sei que nós gravamos aqui, mas não temos o menor interesse naquilo porque nossas idéias mudaram bastante quando começamos o Kraftwerk. Demos um passo muito importante quando construímos o estúdio Kling Klang e nos tornamos completamente independentes.
Como é a rotina no estúdio de vocês?
É como um laboratório, pois fazemos todo tipo de coisas. Não fazemos só música, escrevemos letras e fazemos gráficos, além de conceber vídeos etc. fazemos filmes e vídeos trabalhamos muito com multimídia.
O que você acha da utilização da tecnologia por bandas de garagem, que estão trazendo para o universo do rock toda a influencia da musica eletrônica?
Não tenho a menor idéia a respeito, pois prestamos mais atenção nos sons da industria e da vida diária nas ruas. Afinal, temos dois ouvidos que são verdadeiros microfones estereofônicos. Então, quando você me pergunta o que ouvimos, tenho que te dizer que escuto de tudo... Pois somos verdadeiros microfones ambulantes. Nos consideramos assim, pois andamos pelas ruas e prestamos atenção nos carros, nas fábricas e nos sons da natureza.
Como funciona o seu processo de composição?
Rola no estúdio, pois é um trabalho. Não faço musica em casa, pois nem piano tenho. As tenho algumas idéias a respeito de conceito, mas não temos métodos ou formulas. Somos totalmente autônomos.
O que você acha do sampler e de suas musicas serem sampleadas por outros?
Bem, é como uma fotografia. Você pode fazer colagens, mas nós não fazemos esse tipo de coisa. Não temos muito interesse nisso, preferimos criar sons e jamais nos repetir. Criamos sons, os estocamos em nossos computadores...Quanto a outros utilizarem samples de nossas músicas, tudo depende do tipo de utilização que fazem. DJs podem fazer coisas interessantes, mas as vezes as pessoas não têm idéias novas e saem pegando verdadeiros trechos por aí. Esse negócio acaba limitando muito.
Vocês se interessam em ouvir quando sabe que alguém aproveitou alguma coisa sua?
Bem, isso rola em discos dance, né? Quando se vai aos clubes, ouve-se muito. Os DJs fazem discos e isso é uma forma de se fazer musica. Mas é apenas uma de se fazer musica, de qualquer forma.
O que você acha da música de vocês ser utilizada em comerciais de radio e TV?
Isto não é possível, pois temos controle total sobre a edição das músicas e simplesmente não autorizamos. A música fala por si.
O que você acha das gerações de músicos e bandas que se dizem influenciadas pelo kraftwerk?
Às vezes temos esse tipo de retorno e é bom, pois quando começamos nos isolamos completamente. Existia o mainstream e nós apesar de isolados, prevíamos este futuro de música eletrônica que hoje é uma realidade.
O que você acha da música do kraftwerk ter influenciado na disco music, na dance music etc?
É como dizemos em Robots, uma música que eu fiz: dançamos mecanicamente, portanto é um tipo de dança mecânica, né? Fizemos essa música nos 70...
David Bowie e vocês já trocaram citações em músicas e ele próprio comenta que gostaria de trabalhar com o kraftwerk. O que você acham disso?
Nos nunca encontramos tempos para fazer isso. Até agora, estivemos tão envolvidos com o kraftwerk –terminado discos e fazendo turnês-, que nunca fizemos nada por fora. Nunca fizemos nada com ninguém, nem mesmo filmes etc.
Vocês sentem falta disso?
Não, eu acho que somos bastante auto-suficientes... sempre fomos extremamente individualistas, porque viemos do nada e de uma realidade alemã que não tinha nenhuma musica contemporânea. Eu acho que tivemos que criar essa música e a nossa música eletrônica nos coloca numa posição culturalmente muito diferente. Estamos a meia hora da Bélgica e a quatro horas de paris, portanto estamos no olho da Europa. Vivemos uma situação cultural bastante peculiar.
Podemos esperar um novo álbum para breve?
Sim, a EMI irá lançá-lo no inicio do próximo ano. Não iremos tocar nada deste novo repertorio nos shows do Free jazz Festival, mas estamos testando algumas programações.
Podemos esperar que vocês sejam um dos primeiros a lançar um DVD áudio, com mixagem especial para os diversos canais?
Sim, afinal já estávamos utilizando o soundround nos concertos. Talvez o façamos num disco, mas... Eu gosto da idéia de dar liberdade a quem nos ouve. É como uma audição microscópica, você pode penetrar no som. Mas você também pode se afastar dele, portanto não gosto muito da idéia da música cercar as pessoas por todos os lados. Mas é claro que precisamos pensar melhor sobre isso, afinal faz parte de nossas apresentações em multimídia. Quando fazemos um concerto, temos algumas coisas rolando...Mas eu prefiro a idéia de me aproximar e me afastar à vontade da música. Você tem mais liberdade com o estéreo.
O kraftwerk é sinônimo de música eletrônica, mas vocês algumas vez já discutiram a hipótese de fazerem alguma coisa inesperada... como um disco ou um show acústico?
Bem, nós poderíamos fazer algo para MTV e simplesmente chamar de “Plugged”... seria o que fazemos, né? Outras pessoas já fizeram isso com nossas músicas, alguém já gravou com quarteto de cordas etc. talvez outros possam fazer isso melhor que a gente, eu prefiro assim. É uma idéia interessante, afinal a música acaba crescendo na mão de outros. Lançamos um Sputnik e ele dá em alguma coisa.
O kraftwerk vem de uma cena em que rolava muitos happenings em torno da música. Isso está voltando agora. Qual será o futuro da música?
Será mais rápida... quer dizer, falo em termos do processo de criação. Será mais rápida, do momento em que se pensa em fazê-la até o momento em que ela é feita. Você ainda tem que ter estúdio, tecnologia etc. quando eu me comunico com meu parceiro Florian, muitas vezes a gente nem precisa concretizar a música...mas isso é porque a gente usamos a mesma linguagem. Muitas vezes levamos dias, semanas, meses ou anos para terminá-la, mas acho que com os computadores a coisa pode ser mais rápida. Hoje em dia a gente pode concretizar coisas como Autobahn em concertos, com todas aquelas imagens multimídia que nos anos 70 a gente simplesmente não podia sincronizar - a não ser que tivesse toda uma produção hollywoodiana envolvida.
Você acha que a Internet pode ser útil nesta rapidez?
Sim, também. Até agora vimos trabalhando em música, mas talvez no futuro não tenhamos mais interesse em fazer apenas uma hora de musica num CD. Eu nem deveria dizer algo assim dentro de uma gravadora, mas talvez nos liguemos mais na Internet –onde temos uma homepage. Temos uma homepage com pouca informação, mas daqui a pouco talvez possamos tocar o próximo disco na Internet...muito embora a gravadora possa não gostar nem um pouco da idéia. Mas será mais ou menos assim.