domingo, 24 de abril de 2011

Apertando um botão, você pode criar uma canção



Lançando com uma certa surpresa para os fãs do kraftwerk, o Kling Klang Machine Nº1 é um aplicativo que simula um estúdio virtual no qual os usuários podem criar suas próprias músicas.

O Kling Klang Machine Nº1 é classificado como um gerador musical interativo. No aplicativo há um mapa com um fuso horário mundial que registra a sua localização. Ao ativar o aplicativo, e dependendo do local onde o usuário se encontra, o “App” emite sons diferentes.

Toda a estrutura da melodia é baseada em algoritmos que faz com que o usuário não escute o mesmo som constantemente, e dependendo do local escolhido no mapa, os timbres são modificados automaticamente. O aplicativo também permite personalizar e ajustar a música que está sendo criada além de aplicar efeitos sonoros como eco e reverb.

O aplicativo foi feito em parceria com o artista Norman Fairbanks que trabalha com técnicas de gravação e criação musical fora dos padrões comuns. Segundo Fairbanks, a ideia do aplicativo surgiu do próprio conceito do Kraftwerk de que “se nós tocamos os instrumentos os instrumentos também nos tocam" que nos dias de hoje é chamado de interação.

"É possível ter este conceito disponível para todos em um formato acessível, esta nova tecnologia deve mostrar uma maneira diferente para criar uma nova música eletrônica do Kraftwerk em vez de apenas usar os sons característicos da banda. Queríamos criar um dispositivo musical, que não fosse só para especialistas, mas um dispositivo com um arsenal completo de ferramentas de produção como um seqüenciador e Beats Machines. O aplicativo deve ser uma aventura de 24 horas de som eletrônico para todos. "

O aplicativo é um trabalho em progresso, e Fairbanks junto com o Kraftwerk devem continuar a adicionar mais recursos em futuras atualizações. Até agora, o aplicativo está disponível para iPhone e iPad. Segundo Fairbanks, uma edição para o Android está prevista.

No fim das contas o Kling Klang Machine é uma bela desculpa do Kraftwerk para todos os fãs que aguardam por um disco (100%) de músicas inéditas. Enquanto esse disco não vem, os fãs podem se entreter por horas e horas brincado com os timbres de sonar marítmo que o aplicativo dispõem.







sexta-feira, 15 de abril de 2011

Entrevista 1998 - International Magazine



Entrevista com Ralf Hütter para extinto jornal (tablóide) carioca sobre música chamado Internacional Magazine. Entrevista feita quando Kraftwerk se apresentou pela primeira vez no Brasil em outrubo 1998.

Por Marcelo Froés e Emílio Pacheco

Segundo a gravadora EMI, um grande interesse por parte da imprensa brasileira convenceu o grupo Kraftwerk a fazer uma rara sessão de entrevistas. A história mostra que pode-se contar nos dedos das mãos as pouquíssimas ocasiões em que trintenário grupo alemão falou aos jornalistas. Portanto o fato de o INTERNATIONAL MAGAZINE ter aberto a tarde de entrevistas na sede brasileira da EMI – em Botafogo, zona sul carioca - foi uma grande honra. Representando o grupo, o tímido e elegante Ralf Hütter conversou por meia hora conosco.

Vocês são ciclistas fanáticos. Não trouxeram suas bicicletas para o Rio?

Não. Porque sabíamos que a cidade é agitada – cheia de gente pelas ruas – e, além do mais, esse negócio de turnê é um corre-corre danado de ensaios, shows e... entrevistas (rindo)!

Como é que para vocês estar novamente na estrada, depois de cinco anos?

Bem, nos sempre fazemos concertos. Em 91 nós fizemos toda Europa, depois em 92 nos voltamos à Inglaterra e em 93 fizemos mais alguns shows. Ano passado nós tocamos num festival na Alemanha e esse ano nós estamos finalmente rodando o mundo.

Por quê vocês levam tanto tempo para gravar e lançar um disco?

Nós trabalhamos em nosso estúdio – Kling Klang, em Düsserldorf – e, como é um estúdio de eletrônica, trabalhamos o tempo todo – todo dia mesmo. Exercemos todo tipo de atividade, fazendo gráficos no computador, vídeos e também ajudamos na construção de instrumentos. Nos trabalhamos com alguns amigos em programas, tanto de fala como de música. Somos muito autônomos...

Mas e quanto tempo que vocês levam gravando um disco?

Ah, nosso tipo de música é muito diferente de qualquer outra. É tecno, portanto tem a ver com tecnologia. Fazemos instrumentos, criamos programação e nos anos 70 nós até inventamos alguns instrumentos... que agora estão até em uso. Nos ainda trabalhamos com nossos velhos sintetizadores em nosso repertorio mais antigo. Está tudo em cima, portanto temos muita coisa a fazer para que a música funcione.

Como vocês gravam?

Gravamos em Hard Disk,portanto o que não presta a gente simplesmente aperta um botão e apaga. Gravamos muito pouco, temos um processo bastante diferente de trabalhar. Pensamos antes de trabalhar e aí trabalhamos com direcionamento. É tudo digital, só trabalhamos com gravação em Hard Disk.

Mas vocês cancelaram o lançamento “Technopop” em 1983.

Ele não foi cancelado... porque ele simplesmente nunca foi terminado. Estávamos trabalhando nele e talvez o lançamento tenha sido anunciado. Mas, muito embora estivéssemos trabalhando nele, de uma hora para outra lançamos outra coisa e no final mudamos o titulo para “Eletric café”. Talvez no futuro o lancemos.

Antes que saia no mercado pirata, né? Afinal, o primeiro álbum de vocês – ainda como Organization – tem sido reiteradamente pirateado nos últimos anos.

Bem, aquele disco não tem nada a ver com a gente. Foi apenas uma gravação de teste, nem mesmo a titulo de historia tem a ver com a gente. Um engenheiro gravou, mas aquilo nada tem a ver com o Kraftwerk. Sei que nós gravamos aqui, mas não temos o menor interesse naquilo porque nossas idéias mudaram bastante quando começamos o Kraftwerk. Demos um passo muito importante quando construímos o estúdio Kling Klang e nos tornamos completamente independentes.

Como é a rotina no estúdio de vocês?

É como um laboratório, pois fazemos todo tipo de coisas. Não fazemos só música, escrevemos letras e fazemos gráficos, além de conceber vídeos etc. fazemos filmes e vídeos trabalhamos muito com multimídia.

O que você acha da utilização da tecnologia por bandas de garagem, que estão trazendo para o universo do rock toda a influencia da musica eletrônica?

Não tenho a menor idéia a respeito, pois prestamos mais atenção nos sons da industria e da vida diária nas ruas. Afinal, temos dois ouvidos que são verdadeiros microfones estereofônicos. Então, quando você me pergunta o que ouvimos, tenho que te dizer que escuto de tudo... Pois somos verdadeiros microfones ambulantes. Nos consideramos assim, pois andamos pelas ruas e prestamos atenção nos carros, nas fábricas e nos sons da natureza.

Como funciona o seu processo de composição?

Rola no estúdio, pois é um trabalho. Não faço musica em casa, pois nem piano tenho. As tenho algumas idéias a respeito de conceito, mas não temos métodos ou formulas. Somos totalmente autônomos.

O que você acha do sampler e de suas musicas serem sampleadas por outros?

Bem, é como uma fotografia. Você pode fazer colagens, mas nós não fazemos esse tipo de coisa. Não temos muito interesse nisso, preferimos criar sons e jamais nos repetir. Criamos sons, os estocamos em nossos computadores...Quanto a outros utilizarem samples de nossas músicas, tudo depende do tipo de utilização que fazem. DJs podem fazer coisas interessantes, mas as vezes as pessoas não têm idéias novas e saem pegando verdadeiros trechos por aí. Esse negócio acaba limitando muito.

Vocês se interessam em ouvir quando sabe que alguém aproveitou alguma coisa sua?

Bem, isso rola em discos dance, né? Quando se vai aos clubes, ouve-se muito. Os DJs fazem discos e isso é uma forma de se fazer musica. Mas é apenas uma de se fazer musica, de qualquer forma.

O que você acha da música de vocês ser utilizada em comerciais de radio e TV?

Isto não é possível, pois temos controle total sobre a edição das músicas e simplesmente não autorizamos. A música fala por si.

O que você acha das gerações de músicos e bandas que se dizem influenciadas pelo kraftwerk?

Às vezes temos esse tipo de retorno e é bom, pois quando começamos nos isolamos completamente. Existia o mainstream e nós apesar de isolados, prevíamos este futuro de música eletrônica que hoje é uma realidade.

O que você acha da música do kraftwerk ter influenciado na disco music, na dance music etc?

É como dizemos em Robots, uma música que eu fiz: dançamos mecanicamente, portanto é um tipo de dança mecânica, né? Fizemos essa música nos 70...

David Bowie e vocês já trocaram citações em músicas e ele próprio comenta que gostaria de trabalhar com o kraftwerk. O que você acham disso?

Nos nunca encontramos tempos para fazer isso. Até agora, estivemos tão envolvidos com o kraftwerk –terminado discos e fazendo turnês-, que nunca fizemos nada por fora. Nunca fizemos nada com ninguém, nem mesmo filmes etc.

Vocês sentem falta disso?

Não, eu acho que somos bastante auto-suficientes... sempre fomos extremamente individualistas, porque viemos do nada e de uma realidade alemã que não tinha nenhuma musica contemporânea. Eu acho que tivemos que criar essa música e a nossa música eletrônica nos coloca numa posição culturalmente muito diferente. Estamos a meia hora da Bélgica e a quatro horas de paris, portanto estamos no olho da Europa. Vivemos uma situação cultural bastante peculiar.

Podemos esperar um novo álbum para breve?

Sim, a EMI irá lançá-lo no inicio do próximo ano. Não iremos tocar nada deste novo repertorio nos shows do Free jazz Festival, mas estamos testando algumas programações.

Podemos esperar que vocês sejam um dos primeiros a lançar um DVD áudio, com mixagem especial para os diversos canais?

Sim, afinal já estávamos utilizando o soundround nos concertos. Talvez o façamos num disco, mas... Eu gosto da idéia de dar liberdade a quem nos ouve. É como uma audição microscópica, você pode penetrar no som. Mas você também pode se afastar dele, portanto não gosto muito da idéia da música cercar as pessoas por todos os lados. Mas é claro que precisamos pensar melhor sobre isso, afinal faz parte de nossas apresentações em multimídia. Quando fazemos um concerto, temos algumas coisas rolando...Mas eu prefiro a idéia de me aproximar e me afastar à vontade da música. Você tem mais liberdade com o estéreo.

O kraftwerk é sinônimo de música eletrônica, mas vocês algumas vez já discutiram a hipótese de fazerem alguma coisa inesperada... como um disco ou um show acústico?

Bem, nós poderíamos fazer algo para MTV e simplesmente chamar de “Plugged”... seria o que fazemos, né? Outras pessoas já fizeram isso com nossas músicas, alguém já gravou com quarteto de cordas etc. talvez outros possam fazer isso melhor que a gente, eu prefiro assim. É uma idéia interessante, afinal a música acaba crescendo na mão de outros. Lançamos um Sputnik e ele dá em alguma coisa.

O kraftwerk vem de uma cena em que rolava muitos happenings em torno da música. Isso está voltando agora. Qual será o futuro da música?

Será mais rápida... quer dizer, falo em termos do processo de criação. Será mais rápida, do momento em que se pensa em fazê-la até o momento em que ela é feita. Você ainda tem que ter estúdio, tecnologia etc. quando eu me comunico com meu parceiro Florian, muitas vezes a gente nem precisa concretizar a música...mas isso é porque a gente usamos a mesma linguagem. Muitas vezes levamos dias, semanas, meses ou anos para terminá-la, mas acho que com os computadores a coisa pode ser mais rápida. Hoje em dia a gente pode concretizar coisas como Autobahn em concertos, com todas aquelas imagens multimídia que nos anos 70 a gente simplesmente não podia sincronizar - a não ser que tivesse toda uma produção hollywoodiana envolvida.

Você acha que a Internet pode ser útil nesta rapidez?

Sim, também. Até agora vimos trabalhando em música, mas talvez no futuro não tenhamos mais interesse em fazer apenas uma hora de musica num CD. Eu nem deveria dizer algo assim dentro de uma gravadora, mas talvez nos liguemos mais na Internet –onde temos uma homepage. Temos uma homepage com pouca informação, mas daqui a pouco talvez possamos tocar o próximo disco na Internet...muito embora a gravadora possa não gostar nem um pouco da idéia. Mas será mais ou menos assim.


quarta-feira, 13 de abril de 2011

Fernando Abrantes - Entrevista 2003

Público: Como é que se deu a sua entrada no Kraftwerk?

Fernando Abrantes: A minha mãe é alemã, estudei engenharia de som sete anos em Düsseldorf e foi aí que conheci Fritz Hilpert, hoje um dos principais membros do Kraftwerk. Ele é também engenheiro de som, é responsável por "disparar" o computador central e toca percussões eletrônica no grupo. Éramos amigos e colaboramos em alguns projetos. Em 1991, já eu estava em Portugal, recebi um telefonema dele a perguntar-me se queria fazer um "casting" para substituir Karl Bartos, o teclista principal. Já tinha aqui a minha vida, tinha nascido a minha primeira filha, mas lá fui ter com eles. Pagaram-me um bilhete de avião, gostaram de mim e ficou decidido que iria integrar a formação do grupo na digressão por Inglaterra nesse mesmo ano.

O que fazia nessa altura em Portugal?

Era engenheiro de som e produtor independente. Quando recebi o telefonema estava a acabar de misturar a "Comédia Humana" dos UHF. Na Alemanha correu tudo bem, regressei, fiz as malas, e uma semana depois estava em Düsseldorf a ensaiar.

Ficou surpreendido com o convite?

Sim, porque não percebia porque é que não tinham encontrado ninguém na Alemanha. Depois percebi... São muito metódicos a funcionar, têm uma filosofia de trabalho própria e a inserção num projeto daqueles não é fácil. Começávamos a ensaiar às 10h e só acabávamos à noite. Têm uma vida regrada. São desportistas, nada de álcool, vegetarianos. Eram superprofissionais e muito bem organizados. Estivemos a ensaiar arduamente um mês e depois entramos em digressão.

Esses métodos de trabalho dificultavam a comunicação?

Um pouco. Com o Ralf e o Florian, também pelo fato de serem de outra geração, era mais difícil. Tinha de seguir uma espécie de protocolo. Durante a digressão, a atitude em cima do palco era imposta. Hoje dou-lhes razão, porque o projeto é assim, mas na altura tivemos algumas polêmicas. A forma de estar em palco é distante. Apesar de terem sucedido situações fantásticas como na Brixton Academy - cada um tinha o seu seqüenciador, íamos para a frente do palco e deixávamos o público interagir conosco.

Consta que, por vezes, atuava contra as diretivas que exigiam que estivessem imóveis e com expressões impassíveis em palco. É verdade?

Sim. Isso acontecia no "Pocket calculator", que era a música que levávamos nos seqüenciadores para a frente do palco. Eu era a pessoa que mais interagia com a assistência. Tinha a ver com a minha formação. Quando o público está a aderir, penso que o músico tem de comunicar com ele. Quebrar barreiras. Eles não gostavam e o Ralf chamou-me a atenção para não fazer determinadas coisas. A minha componente latina nem sempre foi compreendida... (risos).

Existia um conceito muito rígido de funcionamento, uma imagem a manter. Antes dos concertos era-lhe explicado os objetivos a atingir com essa atitude?

Sim. Não fui apanhado de surpresa. As coisas eram faladas abertamente. Tínhamos uma boa relação, apesar de algumas incompatibilidades. No final da digressão foi-me comunicado que iriam arranjar um outro tecladista - por acaso meu amigo, Henning Schmitz. Mas o que me impediu de continuar com eles foi o fato de eu ter a minha vida organizada em Portugal.

O Kraftwerk é um mito. Ao longo da digressão sentiu isso?

Sem dúvida e isso notou-se logo no primeiro espetáculo. Mal abriu o pano, a berraria foi tal que tivemos de pedir ao técnico para subir o nível geral do som. O som que havíamos experimentado no "sound-check" já não dava para nos ouvirmos em palco. A forma como éramos recebidos era indescritível.

Recorda alguma história engraçada desse tempo?

Uma vez perdi a mala - deixei-a no hotel. Já estávamos noutra cidade e em poucas horas resolveram-me o problema. É uma história que serve para ilustrar a excelente organização que nos rodeava. Tínhamos um excelente "tour manager", o Buckley, que na altura trabalhava com o U2. Todos os dias dava-nos um folheto com a informação necessária. Foi uma digressão exemplar em termos de organização. A equipa técnica era toda alemã e conseguia montar todo o espetáculo em hora e meia. E estamos a falar de um dos espetáculos mais sofisticados de sempre do ponto de vista técnico. Nada falhava. Quer dizer, quase nada... Recordo-me do computador central ter falhado uma vez, mas ninguém deu por nada... (risos).

Num espetáculo desse gênero existe espaço para a improvisação?

Algum, numa ou noutra música, mas era limitado, em termos de espaço e de seqüência. Essencialmente tocava as linhas de baixo, fazia toda a parte harmônica e os solos. O Ralf, essencialmente, cantava. O Florian comandava tudo o que tinha a ver com caixas de ritmos e efeitos especiais. E o Fritz, nessa altura, tocava percussões eletrônicas e lançava tudo o que tinha a ver com o computador central.

Criou-se a idéia de que aquilo que impedia o grupo de produzir coisas novas era o fato de estar a realizar um trabalho minucioso de reconversão do material analógico do passado para o formato digital do presente. Teve essa percepção?

Tive. Recordo-me que, quando entrei, tinham acabado de fazer o "The Mix". Assisti a algumas sessões - nomeadamente a remisturas que foram feitas pelo William Orbit. O Fritz mandava o DAT para Londres - com as pistas separadas -, mas a aprovação final era deles. Num caso, o Orbit esteve duas semanas à volta de uma remistura até que eles aprovassem o seu trabalho. São exigentes e sabem o que é que querem. Não querem fugir de uma linha pré-definida.

O que têm feito desde o álbum "Computer World", de 1981, é atualizar a música do passado através das novas tecnologias, não lhe parece?

Sim, mesmo em termos de composição, não existem grandes revoluções. O que evoluiu é a qualidade sonora. Todos os discos continuam a ter uma temática. Para lá da eletrônica, existe uma grande atenção àquilo que é cantado. A letra não é um acessório.

Os espetáculos ao vivo são sofisticados em termos de som-luz-imagem. Em termos de organização, quantas pessoas os acompanhavam?

A equipa técnica - iluminação, manutenção, som - eram cerca de 15 pessoas. Acima de tudo, existia uma grande organização. A equipa viajava sempre numa camioneta preparada com camas, sala de jogo, vídeo, casa de banho, porque os espetáculos eram seguidos. Tínhamos dois cozinheiros alemães com forno industrial. Eram os primeiros a entrar nas salas para montarem os "buffets" logo de manhã. O que prova que, apesar de toda a tensão inerente a uma digressão, se as coisas forem bem organizadas, as pessoas sentem-se bem.

Ralf Hütter têm uma paixão por bicicletas, daí terem composto o tema "Tour de France" e agora lançarem um álbum alusivo à prova. Diz-se que nas digressões aproveitavam para andar de bicicleta. É verdade?

É verdade. A única coisa que não fiz com eles foi andar de bicicleta... (risos). Não me interessava. No fim-de-semana, havia sempre uma viagem de bicicleta para fazer. Cerca de 200 quilómetros. Juntavam-se os três e lá iam eles. Era o seu passatempo preferido. Eu preferia o meu tênis ou o meu pingue-pongue.

Os estúdios Kling Klang, em Düsseldorf, são apresentados muitas vezes como uma espécie de fortaleza impenetrável, sem qualquer comunicação com o exterior. É um mito?

É impenetrável. Poucas pessoas entraram ali. Apenas alguns músicos e amigos. Era nos estúdios que ensaiávamos. Mas eles não gostam de se mostrar, faz parte da sua filosofia. O Florian nas digressões é até um pouco complicado porque passados dois dias já sente saudades de casa.

Para essa digressão de 1991, foram concebidos robôs-réplicas de cada um dos membros do grupo. Também fizeram uma sua?

Sim. Era engraçado ver a minha cabeça-de-robô na imprensa... (risos). Fazia parte da concepção do espetáculo. Era impressionante como aquilo funcionava porque os robôs eram tratados com extremo cuidado. Foram feitos por uma empresa italiana que conseguiu, via MIDI, que todas as articulações pudessem ser comandadas por computador. O auge do espetáculo era quando o pano caía, as pessoas ovacionavam em histeria total e, depois, abria-se novamente o pano. As quatro telas onde eram projetados vídeos - que se encontravam atrás de nós - levantavam-se e, por detrás, surgiam quatro robôs a mexer-se. Era assim que acabava o concerto. A presença deles em palco evoluiu muito, entretanto.Hoje, utilizam computadores portáteis e teclados, o que deve facilitar os movimentos.

O Kraftwerk é adulado pelas novas gerações eletrônicas, mas também parecem estar atentos ao que se vai fazendo na atualidade. Sentiu isso?

São muito atentos. Depois dos ensaios, à noite, combinávamos com o Ralf deslocações a discotecas. Locais que passavam música eletrônica. Íamos só para perceber o que se andava a ouvir. Mas, na minha opinião, nunca se deixaram influenciar. Mantiveram-se fiéis ao seu modelo.

Diz-se que os concertos, pelo fato de serem raros, são uma grande fonte de rendimento, ao mesmo tempo que reativam o interesse sobre o fundo de catálogo do grupo. Teve essa noção?

Não. A sua maior fonte de rendimento é a autoria. Quando "The Model" esteve em 1º lugar no top dos EUA, ganharam bastante dinheiro. Mas também é verdade que não são pessoas pobres... Podem-se dar ao luxo de parar durante um tempo. O Fritz, por exemplo, tem uma avença mensal, independentemente de existirem espetáculos ou gravações. Existe cuidado para todas as pessoas se sentirem satisfeitas.

Numa entrevista recente, Wolfgang Flür, um ex-Kraftwerk, declarava com ironia que, apesar da imagem distante que cultivavam, eram abordados pelas fãs como acontece com qualquer outro grupo pop. É verdade?

Aí vou ser mauzinho. As únicas pessoas que eram abordadas, e às vezes de forma insistente, era eu e o Fritz. Os outros dois não saíam dos camarins. Não fazíamos de propósito, mas acontecia. Não era tentativa de protagonismo, eram as circunstâncias do momento. E isso não agradava a toda a gente. Existiam fãs que nos acompanhavam por todo o lado e era engraçado perceber que a sua música agradava a diversas gerações. Depois dos concertos, quando nos convidavam para sair, era uma festa. Em Inglaterra éramos tratados como deuses.

Continua a manter qualquer tipo de contacto com os Kraftwerk?

Com o Fritz. Somos amigos. Ele passa férias em minha casa. Com os outros tenho uma relação mais distante. Falamos apenas, ocasionalmente, ao telefone. Mesmo quando estive lá nunca consegui afeiçoar-me a eles.

sábado, 9 de abril de 2011

quinta-feira, 7 de abril de 2011

terça-feira, 5 de abril de 2011

Kraftwerk - Radio Activity (Discoteca Básica)


Matéria originalmente publicada pela extinta Revista Bizz em 1987, edição de número 19.

Por: Peter Price/Thomas Pappon/Bia Abramo

Kraftwerk - o primeiro grupo pop moderno. Dizemos moderno para associá-lo à era contemporânea, à era da máquina, da eletrônica e do computador. "Radio-Activity" trata de um dos aspectos mais marcantes da contemporaneidade - as revoluções ocorridas no campo da comunicações.

O LP é de 1975, mas é impressionante como o disco vai ficando cada vez mais atual a cada ano que passa. Ele serve para mostrar a posição única do grupo como o pioneiro da música eletrônica dentro do cenário pop. A eletrônica já estava invadindo a música alemã desde a década de 50, no centro de pesquisas eletrônicas de Darmstadt, fundado por Stockhausen. Foi deste centro de pesquisas que saíram Holger Czukay e Schmidt para fundar o Can. Ao lado do Kraftwerk, o Can foi a outra espinha dorsal do rock alemão da década de 70, embora os dois grupos propusessem utilizações diferentes da eletrônica.

Os integrantes do Kraftwerk são de Düsseldorf. Começaram no início da década de 70 como uma dupla, formada por Ralf Hütter e Florian Schneider, ambos de formação clássica. No começo, usavam instrumentos eletrônicos ao lado de equipamentos convencionais. Tornaram-se totalmente eletrônicos por volta de 1973, quando entraram Karl Bartos e Wolfgang Flur na percussão eletrônica. Eles montaram um estúdio próprio, o Kling Klang, que hoje em dia é totalmente computadorizado e portátil.

Kraftwerk - o primeiro grupo pop contemporâneo. O mundo, nos últimos 86 anos, mudou mais rápida e irreversivelmente do que em qualquer outro período da História. A música neste século também sofreu esse processo de mudanças. Os instrumentos acústicos, que nos acompanham durante séculos, evocam associações com uma realidade que era relativamente estável. Neste século, a progressiva substituição do mundo natural pelas criações do homem provocou rupturas na concepção de realidade, que passo a ser vista como construção do homem.

É interessante notar que os integrantes do Kraftwerk se consideram tanto músicos quanto técnicos - capazes, portanto, de inventar e/ou alterar a realidade. A simples eletrificação dos instrumentos, ocorrida neste século, produziu alterações radicais em nosso ambiente sonoro. Mas a ruptura efetiva com o passado só foi ocorrer com o aparecimento do som eletrônico. O Kraftwerk realizou essa ruptura no campo do pop. Sua influência se estendeu para o rock anglo-americano dos anos 80 - para citar alguns, David Bowie, Ultravox, Afrika Bambaata e New Order.

Radio-Activity é o sexto LP do grupo. A faixa-título começa com uma pulsação. Entra um coro celestial. Começa a melodia e declara-se que estamos num mundo transformado. Nos intervalos da música, um código morse. É uma delícia. As melodias e letras são simples e se repetem muito. Vão se insinuando na cabeça e ficam lá. "Radioland", com sua batida que lembra um ritual, liga esse novo mundo às nossas origens.

Cada faixa tem um papel e uma função acabada. "Airwaves" é uma celebração de potencial, de parâmetros alargados. Tem um pique meio de rock, com efeito hilariante. Do lado B, "Antenna" é uma amostra linda da originalidade dos sons produzidos por instrumentos eletrônicos. Sons que derretem, arranham e viram do avesso, mil coisas que não caberiam na música até então. "Radio Stars" é penetrante. Dois anéis de som, fora de sincronia, são revolvidos na mixagem e se repetem infinitamente. Duas vozes os acompanham. Uma é praticamente um zumbido. A outra declama em cima, fortemente distorcida e ligada a um teclado. É uma maravilha de música.

Kraftwerk - o primeiro grupo plenamente do século XX. O primeiro grupo no contexto do pop a tomar consciência do problema do "moderno", da contemporaneidade e o primeiro a descobrir a solução.