domingo, 20 de dezembro de 2009

Fernando Abrantes - Um latino entre os germânicos: três meses com os Kraftwerk


Matéria originalmente publicada no site ioline.pt


A bem da verdade, ele também é alemão. Mas só metade. O suficiente para ter sido convidado a tocar com uma das mais cerebrais bandas do mundo, os pioneiros da música electrónica Kraftwerk. Fernando Abrantes, 49 anos, estudara Engenharia de Som e Imagem em Düsseldorf. Em 1991, de volta a Portugal e pai recente, recebe uma chamada de um colega de curso que trabalhava com a banda, Fritz Hilpert. "Não arranjamos substituto para o Karl Bartos. Queres vir em digressão?", propôs-lhe. "Pensei que era uma brincadeira", lembra.

O teclista conseguiu um acordo com a mulher e meteu-se num avião. Chegou ao estúdio privado dos Kraftwerk, o Kling Klang, em Düsseldorf, e a empatia com os fundadores, Ralf Hütter e Florian Schneider, foi imediata. No dia seguinte voltava a Portugal apenas para fazer as malas e regressar a solo germânico. Esperavam-no dois meses de ensaios intensivos.

Ensaios O horário fazia lembrar o de uma consultora financeira. E o rigor também. Acabavam de lançar "The Mix", um dos oito álbuns incluídos na caixa a partir de hoje à venda em Portugal. "Tinham feitios e conceitos de estética diferentes, mas a polémica era sempre em prol do projecto", conta o português. "O líder sempre foi Ralph. Não tenho dúvidas."

Ao fim-de-semana faziam corridas de bicicleta. "Eram raides de 200, 300 quilómetros, muito bem organizados", lembra. "Tinham excelente equipamento. Não era brincadeira nenhuma. Era sempre na base da competição". Fernando preferia o ténis. Todos os dias jogava com Fritz, das oito às nove da manhã.

Concertos Os reservados Hütter e Schneider eram inflexíveis. "Não é por acaso que o conceito deles continua a funcionar e que se tornaram um mito", diz. "Tem a ver com essa disciplina rígida, com o não mexer numa nota sequer do que compunham." No mês de tournée pelo Reino Unido várias vezes lhe chamaram a atenção, "numa boa". Não podia dançar, nem sorrir em palco. A postura devia ser fria e distanciada. "Só que eu tenho sangue latino..."

Em palco inovou ao passar para as mãos do público a "pocket calculator" com que improvisava no momento. "As pessoas ficavam eufóricas." Um dos momentos mais felizes foi quando detectou David Bowie entre a multidão. No final das actuações, era com ele e com Fritz que os fãs iam ter. E nas discotecas - onde, mal entravam, os DJ mudavam o set para incluir Kraftwerk - era o primeiro a avançar para a pista. Fritz e Hütter abandonavam a pose e também dançavam. Drogas e álcool? Nem pensar.

Terminada a digressão voltou para casa. "Uma pessoa está sempre na expectativa, mas estava ciente de que aquilo tinha um prazo", diz. "Somos todos profissionais." Hoje mantém a amizade com Hilpert, dá-se com Henning Schmitz que o substituiu, e dedica-se à produção de álbuns, como os últimos de José Cid e de Rão Kyao. "Gosto de tudo o que tenha qualidade. Sou um bocado camaleão."

domingo, 6 de dezembro de 2009