18 de outubro de 1998
FREE JAZZ - RIO - PATRICIA DECIA
enviada especial ao Rio
A
"Elektronikevolksmusik" está no Brasil. E subirá hoje, no Rio, ao
palco do Free Jazz (pela primeira vez ao vivo na América Latina), personificada
nos homens-máquina do Kraftwerk, ao mesmo tempo seus criadores e criaturas.
A expressão em alemão é
emblemática. Para boa parte do público brasileiro, causa estranheza muito
semelhante à provocada pelo tecno. No entanto, revela o conceito de música
popular eletrônica, "a nova música, linguagem universal deste e do próximo
século".
Quem assim a qualifica é Ralf
Hutter, um de seus genitores, há 30 anos, parte da primeira geração de uma
Alemanha pós-guerra devastada culturalmente. E sua banda Kraftwerk -uma das
maiores influências da música contemporânea no mundo- continua ainda em busca
do futuro.
É "visionário" o
adjetivo que ele aceita para falar de seu próximo álbum -que deve ser lançado
em 99, após um hiato de mais de uma década-, durante entrevista concedida à
Folha, anteontem, no Rio.
Folha - O Kraftwerk se considera
mais do que um grupo pop?
Ralf Hutter - Sim. Somos
operários musicais. Inventamos a semana de 168 horas, não há separação entre
trabalho e tempo livre. Há tantas coisas a fazer: música, programar
computadores, imagens, filmes, letras, palavras, discurso, entrevistas,
viagens, esportes.
Folha - O que mais o interessa?
Hutter - A vida cotidiana.
Folha - Na Alemanha?
Hutter - Sim, só podemos falar do
nosso dia-a-dia, ou seja, predominantemente o contexto industrial alemão em
Dusseldorf, Colônia. Mas também estamos perto da fronteira, área pan-européia.
Folha - Nesse momento a Alemanha
passa por mudanças políticas.
Hutter - Sim, mas isso é só
administração. Acho que não tem nada a ver com arte, música ou pensamento. Quem
se importa com o governo? Não acho que burocratas podem influenciar a cultura.
Folha - E quem pode?
Hutter - Bem, as pessoas fazem
cultura, os cineastas, os escritores, os matemáticos, os cientistas, os
artistas. Essas são pessoas interessantes, não os burocratas.
Folha - E o cotidiano?
Hutter - As invenções influenciam
a vida cotidiana, como o gravador, a câmera digital, o sintetizador. Há cem
anos, para criar um grande som, era preciso uma centena de pessoas, então era
necessário um rei ou um rico empreendedor industrial. Hoje, com um computador e
caixas de som, há todo um novo princípio de criação autônoma, que transforma os
governos e a burocracia em redundantes. E com a Internet e outros canais de
comunicação, há diferentes autonomias de discurso.
Folha - O que acha do
"faça-você-mesmo" com os computadores na música? E do resultado?
Hutter - É como havíamos previsto
nos anos 70. Éramos a primeira geração do pós-guerra na Alemanha, quando não
apenas as casas foram bombardeadas, mas havia uma desorientação na cultura
alemã. Mas foi uma grande oportunidade, porque começamos do zero, não havia
tradição contínua. Tínhamos essa idéia de criar a
"Elektronikevolksmusik", como o "Volkswagen" (carro
popular). Agora está em todo lugar, no mainstream. Aconteceu.
Folha - Em 1977, você disse que
"todo mundo busca o transe na vida, e as máquinas produzem um transe
absolutamente perfeito". Continua achando?
Hutter - Sim. Nós tocamos as
máquinas e algumas vezes elas nos tocam, é um diálogo. Kraftwerk é o
homem-máquina ("man-machine"). Algumas pessoas atingem o transe com a
exaustão física, tomando drogas ou 20 xícaras de café. Nós o fazemos pela
música.
Folha - Há uma hierarquia na
música eletrônica?
Hutter - Não. Algumas vezes, na
música, o fator humano é superestimado. E com Kraftwerk nós levamos o fator
mecânico ao mesmo nível, à igualdade. Se você trata suas máquinas musicais da
mesma forma que seus amigos ou a si mesmo, achará um feedback positivo.
Folha - Primeiro foi o mecânico,
o carro, o trem (nos álbuns "Autobahn" e "Trans-Europe
Express"), depois o computador (em "Computer World"), agora há a
Internet. A música antecipa esses estágios ou os retrata?
Hutter - Algumas vezes ela é
simultânea, mas a música pode ser muito visionária.
Folha - O que é visionário hoje?
Hutter - Nosso próximo disco.