sábado, 3 de março de 2018

Ralf Hutter - Kraftwerk continua em busca do futuro (1998)



18 de outubro de 1998

FREE JAZZ - RIO - PATRICIA DECIA
enviada especial ao Rio

A "Elektronikevolksmusik" está no Brasil. E subirá hoje, no Rio, ao palco do Free Jazz (pela primeira vez ao vivo na América Latina), personificada nos homens-máquina do Kraftwerk, ao mesmo tempo seus criadores e criaturas.

A expressão em alemão é emblemática. Para boa parte do público brasileiro, causa estranheza muito semelhante à provocada pelo tecno. No entanto, revela o conceito de música popular eletrônica, "a nova música, linguagem universal deste e do próximo século". 

Quem assim a qualifica é Ralf Hutter, um de seus genitores, há 30 anos, parte da primeira geração de uma Alemanha pós-guerra devastada culturalmente. E sua banda Kraftwerk -uma das maiores influências da música contemporânea no mundo- continua ainda em busca do futuro. 

É "visionário" o adjetivo que ele aceita para falar de seu próximo álbum -que deve ser lançado em 99, após um hiato de mais de uma década-, durante entrevista concedida à Folha, anteontem, no Rio.

Folha - O Kraftwerk se considera mais do que um grupo pop?

Ralf Hutter - Sim. Somos operários musicais. Inventamos a semana de 168 horas, não há separação entre trabalho e tempo livre. Há tantas coisas a fazer: música, programar computadores, imagens, filmes, letras, palavras, discurso, entrevistas, viagens, esportes.

Folha - O que mais o interessa?

Hutter - A vida cotidiana.

Folha - Na Alemanha?

Hutter - Sim, só podemos falar do nosso dia-a-dia, ou seja, predominantemente o contexto industrial alemão em Dusseldorf, Colônia. Mas também estamos perto da fronteira, área pan-européia.

Folha - Nesse momento a Alemanha passa por mudanças políticas.

Hutter - Sim, mas isso é só administração. Acho que não tem nada a ver com arte, música ou pensamento. Quem se importa com o governo? Não acho que burocratas podem influenciar a cultura.

Folha - E quem pode?

Hutter - Bem, as pessoas fazem cultura, os cineastas, os escritores, os matemáticos, os cientistas, os artistas. Essas são pessoas interessantes, não os burocratas.

Folha - E o cotidiano?

Hutter - As invenções influenciam a vida cotidiana, como o gravador, a câmera digital, o sintetizador. Há cem anos, para criar um grande som, era preciso uma centena de pessoas, então era necessário um rei ou um rico empreendedor industrial. Hoje, com um computador e caixas de som, há todo um novo princípio de criação autônoma, que transforma os governos e a burocracia em redundantes. E com a Internet e outros canais de comunicação, há diferentes autonomias de discurso.

Folha - O que acha do "faça-você-mesmo" com os computadores na música? E do resultado?

Hutter - É como havíamos previsto nos anos 70. Éramos a primeira geração do pós-guerra na Alemanha, quando não apenas as casas foram bombardeadas, mas havia uma desorientação na cultura alemã. Mas foi uma grande oportunidade, porque começamos do zero, não havia tradição contínua. Tínhamos essa idéia de criar a "Elektronikevolksmusik", como o "Volkswagen" (carro popular). Agora está em todo lugar, no mainstream. Aconteceu.

Folha - Em 1977, você disse que "todo mundo busca o transe na vida, e as máquinas produzem um transe absolutamente perfeito". Continua achando?

Hutter - Sim. Nós tocamos as máquinas e algumas vezes elas nos tocam, é um diálogo. Kraftwerk é o homem-máquina ("man-machine"). Algumas pessoas atingem o transe com a exaustão física, tomando drogas ou 20 xícaras de café. Nós o fazemos pela música.

Folha - Há uma hierarquia na música eletrônica?

Hutter - Não. Algumas vezes, na música, o fator humano é superestimado. E com Kraftwerk nós levamos o fator mecânico ao mesmo nível, à igualdade. Se você trata suas máquinas musicais da mesma forma que seus amigos ou a si mesmo, achará um feedback positivo.

Folha - Primeiro foi o mecânico, o carro, o trem (nos álbuns "Autobahn" e "Trans-Europe Express"), depois o computador (em "Computer World"), agora há a Internet. A música antecipa esses estágios ou os retrata?

Hutter - Algumas vezes ela é simultânea, mas a música pode ser muito visionária.

Folha - O que é visionário hoje?

Hutter - Nosso próximo disco.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Kraftwerk: Os robôs pedalam até Lisboa (2004)



Entrevista com Ralf Hütter, para o jornal português Público no ano de 2004, quando o grupo se apresentou pela primeira vez em terras Lusitanas.

2 de Abril de 2004



Para os do rock, os Rolling Stones é que são. Para os da pop, ninguém bate os Beatles. Para as gerações eletrônicas, o mito fundador dá pelo nome de Kraftwerk. Mas não apenas. Bono, dos U2, diz que "tiveram influência decisiva sobre ele". David Bowie refere que "são únicos". Karl Hyde, dos Underworld, recorda-se de ter pensado, quando os ouviu pela primeira vez, "que não existia nada assim no planeta onde vivia". Os artistas plásticos Gilbert & George são fãs.

Em Outubro do ano passado regressaram com o álbum "Tour de France Soundtracks" - o seu primeiro registro de originais em mais de uma década -, mas no primeiro espetáculo em Portugal vão apresentar também os temas mais emblemáticos.  Ao longo dos anos, mudaram diversas vezes de formação - o produtor português Fernando Abrantes integrou a formação em 1991 -, mas Florian Schneider e Ralf Hütter têm-se mantido à frente do projeto. Este último, o líder e porta-voz, raramente dá entrevistas e quando o faz revela o menos possível, como o PÚBLICO confirmou. Afinal, o mito tem que persistir. 

PÚBLICO - Num dos poucos espetáculos que deram nos últimos anos, em 1998, no Festival Sónar de Barcelona, utilizavam projeções vídeo, animações infográficas e robôs que se diluíam por entre os músicos. O que mudou desde então?

RALF HÜTTER - Em 2004, temos os Kraftwerk em versão computador-portátil. Todo o nosso material analógico foi reconvertido para o formato digital e essa é a grande diferença. Até há pouco tempo era-nos praticamente impossível transportar todo o nosso material dos estúdios Kling Klang. Era difícil viajar com tecnologia tão pesada. Hoje, com os portáteis e com a cultura digital, é mais fácil realizar uma digressão mundial como aquela que estamos a fazer. 

P.- Nos espetáculos desta digressão têm tocado os temas mais conhecidos. É isso que irá suceder em Portugal? 

R.- Será uma mistura desses temas com as novidades de "Tour de France Soundtracks". Será uma atmosfera muito audiovisual, com as projeções sincronizadas com a música. Estivemos na Escandinávia recentemente e foi maravilhoso! As pessoas entendem a música eletrônica, mas foi óptimo quebrar um pouco mais o gelo... [risos]. Já passámos pelo Japão, regressámos à Europa e segue-se Portugal. Na era digital, podemos viajar e tudo funciona na perfeição. 

P.- Mudaram para o digital, mas o imaginário do último álbum, "Tour de France Soundtracks", mantém-se. Mais do que um grupo, são um conceito de imagem-som perfeitamente definido, o que também cria resistências por quem espera que mudem. 

R.- O conceito Kraftwerk, tal como foi definido por mim e por Florian [Schneider] nos anos 70, não sofreu grandes alterações. É essa a nossa identidade e não a queremos perder, mas isso não quer dizer que não estamos atentos ao que se passa à nossa volta e que não tentamos transformar-nos à nossa maneira. A nossa música electrónica tem vindo, gradualmente, a mudar. Está mais energética e "Tour de France Soundtracks" reflete isso. 

P.- Ao longo dos anos, sofreram alterações na formação, mas você e Florian Schneider mantiveram-se na liderança desde 1968. Qual o segredo da longevidade dessa relação? 

R.- Já lá vão 40 anos. Somos como Kling e Klang... [risos]. É um casamento eletrônico perfeito. 

P.- No último álbum regressaram ao conceito do ciclismo. Não é propriamente a primeira imagem que nos ocorre quando imaginamos o futuro. De onde vem esse fascínio? 

R.- Adoro andar de bicicleta. As bicicletas representam energia, progresso sustentado e atento aos valores humanos, andar para a frente, o entendimento perfeito entre homem e máquina. Não podemos fazer marcha atrás com bicicletas. Com a música acontece o mesmo - o que interessa é andar para a frente, estar atento ao tempo e espaço, manter o balanço certo e encontrar o nosso ritmo. O ano passado, quando estávamos a terminar o álbum, tivemos um convite do diretor da Volta à França para seguir algumas etapas de helicóptero e no carro oficial. Foi magnífico e permitiu-nos desenvolver as últimas ideias com total confiança no conceito que estávamos a desenvolver. Quando o "Tour" terminou em Paris, tínhamos o disco pronto. 

P.- Fala em ritmo e energia, mas nos espetáculos são conhecidos pelas expressões impassíveis e pelos movimentos reduzidos ao essencial. É apenas a música que tem que ser dinâmica? 

R. - Ah! Mas nós somos superativos, emocionalmente e fisicamente. Estamos completamente despertos, mas a manipulação dos computadores e dos teclados é muito sensível e não nos deixa espaço para grandes movimentações. Temos que estar concentrados para não cometer erros. 

P.- São um dos grupos mais influentes da música popular e um dos mais citados pelas novas gerações. Como é que lidam com frases como os "Beatles eletrônicos"? 

R.- É uma energia muito positiva que nos é transmitida por pessoas mais novas. É bom chegar aos 50 anos e, onde quer que vamos, seja a Jamaica ou o Japão, sermos bem recebidos, o que prova que a música electrónica, apesar das diferentes linguagens, ultrapassa eventuais diferenças culturais. É uma forma de comunicação que se impôs, o que, para nós, é um enorme cumprimento. Quando começámos, no final dos anos 60, estávamos confinados às galerias de arte ou às universidades e é gratificante vermos como as coisas mudaram desde então.

P.- O ano passado entrevistámos Fernando Abrantes, que integrou os Kraftwerk em 1991. Dizia-nos ele que, depois dos concertos, era comum deslocarem-se a clubes de música de dança para tomarem contato com o que se andava a ouvir. Continuam a fazê-lo? 

R.- Sim, depois dos espetáculos, normalmente existe sempre alguém que nos convida para ir a clubes de música. É ótimo para praticarmos um pouco da nossa dança robótica e para ouvirmos o que se anda a fazer. Esperamos que em Portugal alguém nos convide. Recordo-me bem do Fernando [Abrantes], fez uma digressão conosco, é um excelente músico, e é muito amigo de um dos nossos engenheiros eletrônicos, Fritz Hilpert

P.- Diz-se que esta será a última oportunidade para ver os Kraftwerk ao vivo, mas também existe quem diga que irá ser lançado um álbum ao vivo depois do final da digressão. Corresponde à verdade ou vão estar mais dez anos parados? 

R.- O álbum ao vivo é uma possibilidade e vamos, sem dúvida, editar mais discos. Em Junho, depois da última data da digressão, em Moscou, vamos parar e decidir o que vamos fazer, mas estivemos tanto tempo sem lançar nenhum disco, devido ao trabalho de masterização e catalogação do material antigo, que estamos desejosos de voltar a estúdio para criar material novo.

Kraftwerk e Microsoft - Apertando novos botões



O kraftwerk anunciou no início de sua turnê do ano de 2018, uma atualização significativa em seus equipamentos, recurso que irá favorecer as suas apresentações ao redor do mundo. 

O grupo em parceria com a empresa americana Microsoft, fizeram uma mudança no equipamento Surface Pro 4  e Surface Book (notebook) que irá permitir ao conjunto um controle mais completo em suas músicas quando são tocadas ao vivo.

Abaixo uma tradução/adaptação do que foi divulgado pela Microsoft alemã, desculpe por algum deslize nessa transcrição

Segundo o que foi relatado por Ralf Groene (diretor de design industrial da Microsoft e responsável pelo Surface). Essa modificação trará aos músicos mais interação em suas músicas.  "Trabalhamos em conjunto com o KRAFTWERK para atender as suas necessidades e redesenhamos o Surface mecanicamente integrando o dispositivo 2in1 (dois em um) em um gerador de tom eletrônico otimizado para a performance ao vivo no palco. Através de mudanças no teclado e na dobradiça, a unidade também foi integrada no equipamento de palco nos geradores de som, que agora oferece acesso fácil e em tempo real a todos os sons que o KRAFTWERK criam no software de música, sintetizador ou nos  instrumentos virtuais usados no Surface”.

Groene ainda complementa relatando que todas essas modificações foram feitas ao lado do grupo, que se demonstraram contentes com o que estava sendo desenvolvido.  "Estamos muito entusiasmados com o trabalho com o KRAFTWERK, que sempre foram os pioneiros em música eletrônica e tecnologia para estúdio".

O grupo, bem antes de suas apresentações, testou intensamente as modificações feitas no Surface no estúdio Kling Klang, simulando uma apresentação ao vivo. “Os dispositivos de superfície são perfeitamente adequados para intervir diretamente no software de música", afirma o KRAFTWERK. "As modificações nos encaixe, oferecem opções para integrar controladores de hardware que fornecem acesso rápido e em tempo a todos os sons gerados nos sintetizadores. Assim, em um espaço pequeno de tempo, um instrumento musical eletrônico acessível ".

Além da facilidade na manipulação das músicas, esse complemento também se aplica as projeções em 3D dos telões incluindo toda a iluminação do palco. O grupo agora possui um computador central que controla toda a parte técnica de som e imagem.

O quarteto mantém esse comportamento desde Autobahn (1974), do qual usaram um sintetizador da empresa Moog, para gravar o disco; o uso de rádios transmissores em Radio Activity (1975); os sequenciadores em T.E.E., Man-Machine (1978) e Computerworld (1981); synths digitas em Electric Café (1986); computadores em The Mix (1991) e os softwares de áudio em Expo 2000 (1999) e Tour de France Soundtrack (2003).

Esse adicional só afirma o grupo como antenado com o que surge no mercado musical e sempre preocupados com a qualidade de suas apresentações. 

E a música não para!
Fonte