Um papo com Ralf Hütter, único integrante da formação original do mitológico grupo alemão
A relação não é de Homem/máquina e sim entrevistador/entrevistado Mesmo assim, Ralf Hütter, do Krafwerk —
que se apresenta no Sónar São Paulo, no próximo dia 11 —, parece disposto a
inverter os circuitos e faz a primeira pergunta ao repórter, assim que a
assessora de imprensa do grupo faz a conexão Rio-Berlim por telefone.
— Olá.
Nós nos conhecemos? Já conversamos antes? — quer saber ele. Negativo. Afinal,
entrevistas com o Kraftwerk — principalmente com o único integrante da formação
original do mitológico grupo alemão — são eventos raros. — E você já viu algum
show do Kraftwerk? — emenda. Positivo. Dois shows no Brasil — no TIM Festival
de 2004, no Rio, ao lado do Massive Attack, e na Praça da Apoteose, em 2009,
abrindo para o Radiohead — e um na Inglaterra, em 1997, no festival Tribal
Gathering.
— Ah, foi ótimo tocar naquela praça desenhada por Oscar Niemeyer.
Cheguei a estudar arquitetura, e ele foi uma grande inspiração — diz ele. — E
aquele show no Tribal Gathering foi especial, marcou nossa volta aos palcos
britânicos depois de uma longa ausência.
Sem telefone no estúdio
Cinco anos de ausência, mais
precisamente. Antes disso, o Kraftwerk — que se apresentou recentemente, por
oito dias, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), dentro da instalação
“Retrospective 12345678” — vivia uma relação conflituosa com os palcos, sumindo
deles com razoável frequência, por nem sempre conseguir traduzir ao vivo, em
alto nível, o som dos discos e a estética visual pensada pelo grupo.
Só a partir do fim dos anos 1990,
com o avanço da tecnologia, é que os shows do Kraftwerk passaram a ser menos
esparsos. — Nossa relação com a tecnologia sempre foi intensa, e sofríamos
muito quando não conseguíamos levar as idéias para o palco do modo como
queríamos.
Era frustrante não ter o
equipamento adequado — conta Hütter. — Mas hoje a tecnologia está no padrão que
sempre pensávamos. É quase um sonho. U m s o n h o que inclui, diz ele, o
formato 3D que marcou os concorridos shows em NY. — Os shows em 3D são um marco
na nossa evolução. É perfeito para a nossa linguagem visual e deu um toque
especial nas apresentações no MoMA.
A exposição e aqueles shows
representaram uma espécie de ciclo que se completou para a banda, que nasceu
num ambiente de arte em conexão com a música. Diferentemente de outras bandas,
museus não são habitats estranhos para nós.
Mas como o Sónar São Paulo não é
o MoMA e o Parque do Anhembi não é o seu átrio, o show do Kraftwerk no Brasil vai
ser um pouco diferente daquele apresentado em NY. — Vamos fazer um resumo daquela
retrospectiva, tocando músicas de diversos álbuns. Mas o 3D está garantido.
Vamos levar todo o equipamento, inclusive os óculos.
Ironicamente para uma banda tão
ligada em tecnologia, seu estúdio, o famoso Kling Klang, não possui telefones.
Ao menos é o que diz a lenda em torno do robótico grupo, que evita esses
aparelhos para não quebrar o estado de imersão completa quando seus integrantes
estão trabalhando. — Não há mesmo telefones no estúdio.
Telefones eram muito intrusivos,
você nunca sabia quem estava ligando. Isso mudou hoje, claro, mas mantivemos
essa postura. Precisamos de concentração total para trabalhar. Depois
que saímos dali, tudo volta ao normal. Essa reclusão não parece significar uma
produção intensa.
Afinal, disco novo, o Kraftwerk
não lança um desde “Tour de France soundtracks”, de 2003.— Mas estamos sempre
trabalhando em novas ideias, inclusive para o próximo disco. É um processo
contínuo, não há pressa — garante. Parte desse processo contínuo gerou, pelo
menos, o recém- lançado aplicativo Kling lang Machine (para iPhone e iPad), que
permite que o usuário produza sons sequenciados como se estivesse dentro do
estúdio da banda
— Ele gera sons que vão se
modificando à medida que a pessoa vai interagindo com eles. É um trabalho mais
atmosférico do que explosivo — conta ele, que diz ter um iPad “apenas
para funções tradicionais”. — Não
o uso para fazer música. Seria excessivo. É bom ficar um pouco desconectado.
Paixão por bicicleta
Para se desconectar ainda mais,
Hütter gosta de andar de bicicleta, uma notória paixão dele e da banda, que
inspirou o hit “Tour de France”, de 1983. — Sou o único da banda que ainda leva
essa atividade a sério. Ando sempre que posso. É um prazer incrível e um ótimo
exercício — conta ele, que teve um sério acidente nos anos 1980, sofrendo
traumatismo craniano após cair da bicicleta. — Mas aquilo foi há muito tempo,
numa época em que íamos de bicicleta atrás do ônibus da turnê quando nos
aproximávamos de uma cidade.
Hoje, não consigo mais fazer
isso. Não consegui nem andar no Central Park durante nossa temporada em Nova
York. Em São Paulo também não vai dar tempo, já que vamos viajar de volta no
dia seguinte ao show.
Antes de a entrevista ser
encerrada pela atenta assessora do grupo, Hütter faz mais uma pergunta: — Você
é do Rio, não? Positivo. — Adoro a energia e o ritmo da cidade. Apesar de
estarmos distantes e virmos de outro contexto, sinto uma afinidade do Rio com o
Kraftwerk. O som do baile funk é um exemplo disso. É uma combinação de ritmos
muito interessante.
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