domingo, 29 de junho de 2025

Karl Bartos — Entrevista — Dance Magazine — Fevereiro —1993:

 


Entrevista com Karl Bartos, publicada na revista Dance Magazine, em fevereiro de 1993:


Dance: Já faz muito tempo que não ouvimos nada novo do Kraftwerk. Em que a música de vocês difere da deles?

Karl Bartos: No final dos anos 80, o Kraftwerk tinha se tornado apenas uma instituição paralisada. A estrutura interna impedia qualquer ideia nova. Quando deixamos essa estrutura, a nova música surgiu quase naturalmente.

Dance: E quanto a vocês: vivem em isolamento elitista ou inseridos no mundo moderno?

Lothar Manteuffel: Tentamos desenvolver um “Esperanto elétrico”. A música é uma linguagem universal — e nós a usamos. Tudo nos influencia: desde o cotidiano mais banal até a política mundial, e isso entra na nossa música como metáforas. Tentamos transmitir uma impressão de fenômenos, tendências e conexões.

Dance: A música de vocês é marcada pela tecnologia. Como vocês avaliam a qualidade do progresso técnico?

Karl Bartos: A máquina, no fim de uma linha de desenvolvimento tecnológico, não pode ser o objetivo final. Progresso não é um caminho unidimensional no qual a humanidade simplesmente marcha em linha reta. O progresso se move em círculos — como o nosso planeta.

Dance: Em que vocês estão trabalhando no momento?

Lothar Manteuffel: No nosso novo álbum, que será lançado no fim de março.

Dance: E vocês também vão se apresentar ao vivo?

Lothar Manteuffel: Com certeza. Os primeiros preparativos já começaram. Mas não queremos dizer mais nada sobre isso por enquanto.

Dance: Hoje em dia todo artista tem que fazer um videoclipe, mesmo que pudesse passar sem isso. Qual é a posição de vocês? Com o single "TV", vocês parecem dar uma resposta bastante clara...

Karl Bartos: Passamos de uma sociedade da palavra para uma sociedade de imagens e aparências. Hoje, imagens substituem a comunicação. Na teoria musical, isso se chama “cacofonia”. Um videoclipe brilhante hoje mostraria Beethoven compondo sua Nona Sinfonia. No nosso vídeo de "TV", mostramos principalmente o que acontece atrás da tela. Não se vê sequer um único televisor. É um mundo de imagens que mostra o passado e o presente da televisão.

Dance: Como a música de vocês se encaixa no que está acontecendo agora na indústria musical? Que tipo de música vocês mesmos escutam?

Karl Bartos: O tipo de música que se escuta não é o mais importante. O que importa são os impulsos que se recebe. Cultura, no sentido verdadeiro, deveria sempre ser uma forma de anarquia civilizada em contraponto à ordem social.

Dance: No single de estreia, "Crosstalk", vocês usaram voz sintética. Por quê?

Karl Bartos: (ri) Quando saímos do Kraftwerk, o D.L.S. (Digital Lead Singer) ficou desempregado...

Lothar Manteuffel: (sorri) ...então perguntamos se ele queria participar da nova banda Elektric Music. Ele é só mais um membro do grupo...

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Karl Bartos — Entrevista — Sound Check — Setembro — 1991:


 Entrevista de Karl Bartos à revista Sound Check, publicada em setembro de 1991:

Sound Check: Por que você decidiu seguir um novo caminho? Houve algum desentendimento à beira do Reno?

Karl Bartos: Não, nenhum desentendimento, mas para mim era hora de sair daquela situação de trabalho muito autista. Passamos anos reclusos trabalhando na nossa música, girando botões de sintetizadores atrás de portas de estúdio hermeticamente fechadas, sem contato com outros músicos.

Sound Check: Mas houve tentativas externas de contato, certo?

Karl Bartos: Sim, claro. David Bowie já queria colaborar conosco nos anos 70. Naquela época, ele morava em Berlim e estava profundamente envolvido com a Alemanha dividida. Isso foi em 76/77, na época da produção de "Heroes". Bowie gostaria de ter feito sua turnê mundial conosco. Mas essa cooperação não se encaixava no conceito do Kraftwerk. Sempre lamentei isso.

Sound Check: Então essa política permanente de isolamento foi o motivo da sua saída? Houve sim um desentendimento?

Karl Bartos: Não, realmente não. Mas o álbum atual, The Mix, é uma seleção do nosso trabalho dos últimos 15 anos. Uma espécie de retrospectiva transversal e, ao mesmo tempo, um ponto final. Ainda assim, a produção levou cinco anos novamente — o que, apesar de todo o cuidado e rigor técnico, é simplesmente tempo demais. Para mim, os anos 90 representam conceitos abertos e rápidos.

Sound Check: O que isso quer dizer?

Karl Bartos: Sou muito curioso, também com relação a novas abordagens. Para mim, o capítulo do techno-pop está longe de ter terminado. Antigamente, sempre enfrentávamos o problema de as pessoas olharem com desconfiança para nosso "modo de produção em linha de montagem". Hoje, todo mundo trabalha assim, e ninguém mais fala de sons frios de sintetizador ou de música de sequenciador sem alma. Todos usam computadores, aplicam parâmetros de groove e adoram uma boa interface de usuário. Vejo muitos paralelos nisso.

Sound Check: Por que o fluxo de informações vindo do Kraftwerk sempre foi tão escasso? As razões para a sua saída e a de Wolfgang Flür não foram esclarecidas...

Karl Bartos: Isso faz parte do conceito do Kraftwerk. Sem comunicação, sem informação — só o produto importa. Tem que se levar isso a sério, senão se torna algo sem credibilidade. Kraftwerk é uma instituição — como quando você ouve o nome Siemens e não pensa no gerente do departamento em Gelsenkirchen, mas sim numa corporação. Os robôs representam bem isso. Eu também fui um robô por 15 anos, até descobrir alguns erros no programa e abrir um novo subdiretório — que agora se chama Electric Music.

Sound Check: Como você se tornou um "kraftwerker"?

Karl Bartos: Quando Autobahn entrou nas paradas em 1975, eu ainda estudava percussão no Instituto Robert Schumann, em Düsseldorf. O Kraftwerk estava procurando um percussionista para a turnê pelos EUA e simplesmente perguntaram ao meu professor.

Sound Check: E ele te recomendou?

Karl Bartos: Sim, e então viajamos por dez semanas em um ônibus pequeno cruzando os Estados Unidos. Tocamos em clubes pequenos no sul, mas também na Broadway.

Sound Check: E como foi a recepção?

Karl Bartos: Na época, nos apresentávamos como um quarteto de cordas eletrônico, e para muitos parecia que tínhamos vindo de outro planeta. Tocávamos instrumentos que ninguém tinha visto antes. Minha bateria eletrônica, do tamanho de uma caixa de charutos, devia parecer ficção científica para o público americano, muito ligado ao rock.

Sound Check: Trabalhar com instrumentos eletrônicos foi uma grande mudança para você?

Karl Bartos: A música erudita (E-Musik) já vinha mudando para a eletrônica desde a Segunda Guerra Mundial. Especialmente como percussionista, você tem acesso a esse repertório e às técnicas de performance associadas. Eu já estava familiarizado com esse tipo de som, afinal, estava perto de concluir meu exame final.

Sound Check: Você se refere às obras de Karlheinz Stockhausen, John Cage ou Mauricio Kagel?

Karl Bartos: Claro. Na época, interpretei peças como Kontakte ou Kurzwellen, de Stockhausen — que não têm mais nada a ver com as técnicas clássicas de percussão. Você trabalha com fita magnética e receptores de ondas curtas, em vez de triângulo e ganzá.

Sound Check: Como vocês trabalhavam no estúdio Kling Klang? É verdade a anedota de que vocês iam para o estúdio em "turnos regulares", como operários?

Karl Bartos: O encontro diário no estúdio ao longo dos anos pode mesmo ser chamado de ritual. E claro, consumimos incontáveis taças de sorvete. Para mim, era algo como um círculo mágico.

Sound Check: Como era o trabalho em si? Qual era a sua função?

Karl Bartos: Não havia áreas de trabalho bem definidas. Era mais como uma grande improvisação coletiva, com troca constante de instrumentos. Todo mundo apertava, batia ou girava algo em algum lugar...

Sound Check: E nunca houve falhas?

Karl Bartos: Claro que sim, mas na verdade, os sons e ritmos mais bonitos e estranhos surgiram de falhas ou mau funcionamento das máquinas. Especialmente os antigos aparelhos analógicos às vezes criam sua própria ideia de música. Você liga um sintetizador e ele faz "bloop", depois sai para comer, e quando volta, o som mudou por causa da temperatura, e ele faz "bleep". E às vezes, gravávamos exatamente no momento certo, ao apertar o botão vermelho de gravação.

Sound Check: Em breve você também vai atuar como produtor?

Karl Bartos: Já existem projetos que me interessam. No momento estou aberto a tudo. Estamos testando vários níveis — isso pode significar colaborar com outros músicos e produtores, ou com uma gravadora. Já recebi ofertas concretas dos EUA, da Inglaterra e da Bélgica. Mas por enquanto não quero revelar mais nada.

Sound Check: Circulam boatos sobre uma colaboração com o The KLF...

Karl Bartos: Eu adoro rumores — mas a banda jovem com quem estou trabalhando no estúdio no momento não é o The KLF.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Wolfgang Flür — Entrevista — Musik Express Magazine – 1999

 


Musik Express Magazine – Wolfgang Flür – 1999

Entrevista por Albert Koch

Musik Express: Você viu Ralf Hütter pela última vez em 1996. Como esse encontro aconteceu?
Wolfgang Flür: A gente marcou por iniciativa do Emil Schult. O Emil sempre me pressionava de vez em quando para retomar o contato com os caras.

Musik Express: E o que rendeu a conversa?
Wolfgang Flür: Bem, na verdade nada. Só me mostrou que foi a decisão certa ter saído, porque o Ralf tinha deixado de ser músico para virar esportista. Ele se dedicava ao ciclismo com o mesmo perfeccionismo com que fazia música antes.

Musik Express: Ralf e Florian sabem do seu livro?
Wolfgang Flür: Imagino que sim. E também imagino que eles não estejam nem um pouco satisfeitos com isso. O Emil sabe do livro, e ele tem contato com o Ralf e o Florian. Ele já fez alguns comentários que claramente vieram deles. Quando ele diz coisas como: “Você acha mesmo que é bom escrever esse livro? Talvez isso destrua o mito do Kraftwerk. Você também se beneficiou disso”, eu sei que essas palavras são do Ralf ou do Florian. Eles têm um medo enorme do livro, acham que vão sair mal na fita.

Musik Express: Mas eu acho que eles não são retratados negativamente...
Wolfgang Flür: Exato! E eu também não tenho motivo nenhum para falar mal do Kraftwerk. Somos pessoas como qualquer outras, com fraquezas e qualidades. E eu tive mais contato com as qualidades do Kraftwerk. O livro é, na verdade, um hino ao Kraftwerk, mesmo que a história tenha acabado de forma triste para mim. A decisão de entrar no Kraftwerk me levou à música eletrônica. E por isso, serei eternamente grato.

Musik Express: No livro você descreve como Ralf e Florian mandaram fazer ternos sob medida como "uniforme de trabalho", enquanto compraram roupas de prateleira para você e para seu colega Karl Bartos. Esse episódio representa a hierarquia dentro do Kraftwerk?
Wolfgang Flür: Com certeza. Ralf e Florian sempre viveram no andar superior imaginário da empresa. Eu, Karl e Emil éramos os funcionários. Ralf e Florian vinham de famílias muito abastadas, onde mandar fazer ternos sob medida era o padrão.

Musik Express: E como era a divisão dos lucros?
Wolfgang Flür: Preciso deixar claro: o Kraftwerk é uma criação do Ralf e do Florian. Eles nunca nos deixaram ver como funcionavam os negócios. Mas também não éramos mal pagos. Só que, desde o início, ficou claro que não participaríamos dos direitos autorais.

Musik Express: Mas vocês recebiam um salário fixo?
Wolfgang Flür: Sim, que renegociávamos de tempos em tempos.

Musik Express: Você disse que saiu por causa dos longos intervalos entre as gravações. Como era essa fase de letargia?
Wolfgang Flür: A gente se via cada vez menos. O Ralf, como eu disse, tinha um novo amor — a bicicleta — e uma nova “banda”, que era o grupo de ciclistas que ele reuniu em torno dele. Porque o Ralf é uma figura de liderança. O estúdio Kling Klang vivia cheio de bicicletas, pneus e suportes de montagem. Eu e o Karl ficávamos cada vez mais entediados. Era só esperar e esperar. E, em algum momento, perdi o ânimo, porque percebi que como pessoa eu estava sendo ignorado. Depois do Electric Café, nada mais aconteceu.

Musik Express: Isso simplesmente ficou no esquecimento?
Wolfgang Flür: Na verdade, eu nunca saí oficialmente, porque também nunca fui contratado formalmente, com contrato e tudo mais. Um dia conheci uns amigos numa exposição, eles tinham um ateliê de móveis em Düsseldorf. Gostei do clima lá, as pessoas se tratavam de forma humana. A partir de então, fui cada vez mais para o ateliê e cada vez menos para o Kling Klang. E pensei: se o Kraftwerk quiser continuar comigo, eles que me liguem. Mas o telefone nunca tocou.

Musik Express: Mas pelo menos durante as gravações de The Mix seu telefone poderia ter tocado...
Wolfgang Flür: Mas eles não precisavam de mim para The Mix. Aquilo foi só uma retrabalhada em material antigo. Passaram anos digitalizando fitas, reformando o estúdio e comprando os eletrônicos mais caros. O Kraftwerk virou um colosso inflexível. O melhor do Kraftwerk foi quando quase não tinham equipamento, porque tinham que improvisar muito. Se você passa mais tempo lendo manual de instrução do que criando, não dá pra ter visão musical.

Musik Express: Você conta que ligou para Ralf em 1989, e ele disse: “Wolfgang quem? Não conheço nenhum Wolfgang”, e desligou. É difícil de acreditar.
Wolfgang Flür: Para mim também foi. Fiquei em choque. Mas isso me provou que o Ralf é capaz de reações humanas. Aquilo foi vaidade ferida, porque eu simplesmente parei de aparecer, nada mais. Ele não conseguia me mostrar nenhum sentimento que facilitasse minha volta. Se ele tivesse me ligado e dito: “Volta aí, estamos com saudade”, eu teria voltado na hora.

Musik Express: Por que Ralf e Florian são tão avessos à exposição pública?
Wolfgang Flür: O Kraftwerk nunca foi uma banda para adolescentes. Nenhum de nós era um frontman por quem os fãs suspiravam.

Musik Express: Mas eu li meus primeiros artigos sobre Kraftwerk na Bravo quando tinha 13 anos.
Wolfgang Flür: Sim, foi surpreendente mesmo como a Bravo escreveu sobre a gente naquela época. Mas mesmo assim, nunca fomos uma banda teen. A decisão de não expor nossas personalidades publicamente sempre me pareceu certa. Isso nos deu paz para viver e ajudou a manter o mito do Kraftwerk. Só a música importava. Quem gosta, que compre os discos. Só isso. Ainda acho essa postura válida.

Musik Express: Você acusa o pioneiro do hip hop Afrika Bambaataa de “pior tipo de roubo” por usar samples do Kraftwerk em Planet Rock (1982).
Wolfgang Flür: O comportamento dele foi péssimo.

Musik Express: Mas não foi graças àquele sample que o Kraftwerk chegou a uma nova geração e a lenda foi reforçada?
Wolfgang Flür: Claro que foi positivo o que surgiu depois de Afrika Bambaataa. Mas poderia ter sido feito legalmente.

Musik Express: Você realmente acredita que Bambaataa teria conseguido permissão para usar os samples se tivesse pedido?
Wolfgang Flür: Provavelmente o Ralf jamais teria permitido. E o Bambaataa sabia disso — por isso nem tentou.

Musik Express: Eu acho que sem o “roubo” do Afrika Bambaataa o Kraftwerk talvez nem fosse tão lendário hoje.
Wolfgang Flür: Pode ser. Não é uma ideia totalmente errada.

Musik Express: Seus ex-colegas ganharam recentemente 400.000 marcos pelo jingle oficial da Expo 2000, que tem apenas alguns segundos.
Wolfgang Flür: Foi um acordo genial. O Florian é um ótimo negociador. Com certeza foi ele que fechou esse contrato. Ele sempre teve facilidade para isso — gosta mesmo de ganhar dinheiro. Cada um tem o direito de fazer bons negócios. Mas fico me perguntando se isso não prejudica a imagem do Kraftwerk. 400 mil marcos associados ao nome Kraftwerk... soa quase obsceno pra mim. Não tenho inveja, mas foi uma jogada desastrada nesse momento. Parece que hoje em dia Ralf e Florian se divertem mais ganhando dinheiro do que fazendo música nova.

Musik Express: Quanto tempo você acha que o Kraftwerk levou para fazer esse jingle no ritmo de trabalho deles?
Wolfgang Flür: Acho que fizeram rapidinho.

Musik Express: Ou seja, se quiserem, eles conseguem?
Wolfgang Flür: Com certeza!

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Karl Bartos — Entrevista — Raveline Magazine — Setembro — 2000

 


entrevista com Karl Bartos publicada na Raveline Magazine, em setembro de 2000, com o entrevistador Markus Schütte:


Raveline: Desde sua saída do Kraftwerk em 1990, muita coisa aconteceu...
Bartos: Em primeiro lugar, lancei dois discos solo, depois formei o Electronic com Bernard Sumner (New Order) e Johnny Marr (The Smiths), com quem gravei um álbum — Raise the Pressure. Também escrevi duas faixas para o álbum Universal, do OMD.

Raveline: O passado com o Kraftwerk paira sobre tudo. Você saiu apenas por causa da baixa produtividade do grupo?
Bartos: Basicamente, sim. Nos anos 80, passamos cinco anos trabalhando em um álbum, e o que saiu foi o Electric Café. Achei isso inaceitável. Depois mais cinco anos em The Mix, e pensei: “Isso vai continuar assim.” Sabendo que a fase de retrospectiva foi ainda mais dura, hoje não me arrependo em nada. Muito pelo contrário, foi exatamente o passo certo.

Raveline: As novas faixas que você está incluindo nos seus live sets — em que elas diferem do que você fazia há 15 anos?
Bartos: A pergunta em si não é estranha, mas é um pouco para mim. Recentemente, programei esse set. Trabalhei bastante nele, também nas faixas antigas que eu não ouvia há muito tempo — “Die Roboter”, “Das Modell”, etc. — e elas ainda me soam incrivelmente frescas e intactas nessa simplicidade sintética. O novo álbum que estou produzindo seguirá esse caminho, também será bastante eletrônico e reduzido. Mas ainda será de alguma forma música pop! Nada de trance ou estruturas exageradas. Pictogramas, pictogramas elétricos.

Raveline: Muitos artistas da cena eletrônica citam seu trabalho como fundamental e formador de estilo. Você tem referências para sua própria produção?
Bartos: Um monte. Tudo aquilo que formava o princípio básico do nosso trabalho. São melodias europeias, ritmo funk americano e talvez conteúdos vindos da arte — para simplificar bastante. Estruturas rítmicas e sintéticas ao estilo James Brown sempre funcionaram muito bem para nós. E, claro, a harmonia tonal maior/menor da tradição musical europeia. Tentamos dar som à nossa origem. E ainda tento isso hoje. Entender a Alemanha como identidade e fazer essa música.

Raveline: A música eletrônica é “a” música alemã?
Bartos: Quando você consegue criar uma sonoridade verdadeiramente original, você passa a ter essa marca. Ganha esse rótulo porque aconteceu ali pela primeira vez. O blues vem dos EUA e sempre estará enraizado lá, porque foi onde surgiu. A beat music veio de Liverpool — mesmo que o beat não tenha sido uma invenção totalmente original, ele pegou raízes existentes, as distorceu e as tornou acessíveis aos adolescentes europeus. As bandas atuaram como uma espécie de tradutores. O que bandas como Tangerine Dream fizeram aqui nos anos 70, ao usar a tecnologia pela primeira vez na música, está registrado no Livro dos Recordes Guinness — e continuará lá.

Raveline: Você está trabalhando atualmente com outros artistas?
Bartos: Estou trabalhando numa música com o Anthony Rother, que será meu próximo lançamento. Só falta a finalização. Também há um projeto de DJ com projeções visuais...

Raveline: O que significa a música eletrônica atual para você?
Bartos: Recentemente estive em Dresden e Leipzig, passei a noite inteira nos clubes, discotecando e tocando. Às vezes ouço uma faixa, não sei o nome nem o artista, e penso: “Fantástica — queria ter feito isso eu mesmo.” Aí vou atrás do disco. Quando estou discotecando, escolho faixas que me dizem algo, com as quais eu tenho conexão. Por exemplo, do selo Warp, de Sheffield — “Fuse” é uma faixa dos anos 90 — incrível. Ou os caras do LFO, com quem também já trabalhei. O que eu tinha perdido um pouco era a redescoberta da simplicidade na música. Os tracks modernos de clube usam pouquíssimos elementos. São construídos com pouquíssimas camadas — e isso me agrada.

Raveline: O espectro do techno é infinitamente expandível graças ao computador?
Bartos: Me surpreendi com o quanto certos sons perduram — sempre surgem discos com os mesmos ritmos base. Até que percebi que essa é agora a percepção do 4/4, e ela vai continuar existindo. Isso vai se tornar cada vez mais fragmentado. Para mim, o computador é apenas outra forma de registrar música. Acho que o ponto decisivo foi quando Edison desenvolveu o cilindro fonográfico e o som pôde ser reproduzido pela primeira vez, independente do tempo e do espaço. Esse é o ponto de partida. A forma de gravação em si não é tão importante. Se eu não tivesse um Apple, faria música no piano. Eu uso o que estiver disponível. Picasso disse uma vez: “Se o vermelho acabar, uso o verde.” Agora tenho um Apple. Mas já me dei bem também com meu laptop IBM. Se daqui a dois anos surgir outra coisa, usarei o que vier a seguir.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Ralf Hütter — Entrevista — Revista Music Technology — Dezembro de 1992


 Revista Music Technology - Ralf Hütter - Dezembro de 1992

Music Technology: Qual foi o desenvolvimento mais significativo durante sua carreira?

Ralf Hütter: Acho que deve ser a disponibilidade dos primeiros sintetizadores monofônicos, porque antes disso, eram essas máquinas grandes dos Laboratórios Bell ou de estações de rádio governamentais. Ter a possibilidade, como músico individual – um músico independente – de ter acesso a alguns desses equipamentos eletrônicos. Acho que essa foi a mudança mais significativa, por volta do final dos anos 60. E agora a próxima fase, a tecnologia digital, tudo se tornando mais modular, este é o próximo grande passo.

Music Technology: Você já tinha acesso a sintetizadores antes disso?

Ralf Hütter: Não. E eu me lembro que o primeiro sintetizador monofônico que comprei custava o mesmo que um Volkswagen. Então essa foi a escolha a ser feita. Acho que é uma comparação muito boa, porque os sintetizadores davam liberdade de movimento aos músicos.

Music Technology: Essas máquinas ofereciam mais liberdade do que as de hoje, por serem livres de predefinições?

Ralf Hütter: Sim, eles te davam apenas um guia datilografado de três páginas, dizendo "este é o oscilador, este é o filtro" — e era só isso. Aí você ia para casa, mexia e girava os botões, não havia sons pré-programados porque era tudo analógico — toda a extensão. Não gosto muito dos sons pré-programados de hoje; sempre trabalhamos neles, se é que os usamos. Nunca encontramos nada que venha dos ouvidos de outras pessoas e guardamos. Sempre giramos os botões, essa tem sido uma prioridade constante. Costumávamos projetar nossos próprios sintetizadores também. Naquela época, mandávamos construir sequenciadores, porque eram muito raros. Apenas os grandes sistemas modulares Moog tinham sequenciadores. E então pegávamos as caixas de bateria e as reprojetávamos com nossos engenheiros e eletricistas para um formato tocável, e ajustávamos essas caixas com os sequenciadores, e as outras com a fita, para que tudo ficasse sincronizado.

Music Technology: A Kling Klang está em constante mudança?

Ralf Hütter: Claro, nós o chamamos de jardim eletrônico, porque ele está em constante regeneração e agora é completamente modular, permitindo que possamos escolher certas unidades e substituí-las. E o que fizemos foi guardar todos os nossos sintetizadores antigos de todas as diferentes fases, porque eles tinham muito pouco valor depois de serem substituídos, mas hoje temos todo esse equipamento analógico antigo de volta! É realmente muito bom. A transição para o digital não substituiu o analógico de forma alguma, especialmente porque, muitas vezes, a tecnologia digital é usada apenas para samplear recursos analógicos, seja reamostrando sons antigos das fitas originais ou de fontes sonoras. Sempre consideramos qualquer fonte sonora, é apenas som. Kling Klang é a palavra alemã para som, então sempre fomos fascinados por som.

Music Technology De onde vêm os temas de viagem e movimento - como em "Autobahn" e "Trans Europe Express"?

Ralf Hütter: Isso veio dos primeiros anos de turnê na Alemanha. Estávamos em constante movimento. Moramos em uma grande área industrial no Reno-Ruhr, e íamos para a próxima cidade para tocar esses sons e voltávamos à noite, viajando por aquela paisagem. Daí surgiu a ideia de fazer uma música, e então afinávamos os sintetizadores para soarem como buzinas de carro. Também na arte, teríamos símbolos de estradas, ou um Volkswagen. Então, eram experiências pessoais, incorporadas à música.

Music Technology Além do movimento, muitas das imagens que você emprega, especialmente nas telas de vídeo no palco, mostram uma visão do futuro do passado – dos anos 40 e 50, não um futurismo contemporâneo...

Ralf Hütter: Bem, o que estávamos considerando muito era a simultaneidade de passado, presente e futuro hoje. Acho que visões e memórias se sincronizam, e acho que certas coisas de um passado recente olham mais para o futuro do que coisas que são pseudomodernas hoje. O verdadeiro modernismo pode estar em outro lugar, um caminho diferente do que consideramos moderno.

Music Technology Você teve algum treinamento inicial em improvisação?

Ralf Hütter: Não, nós tínhamos formação em música clássica, mas deixamos isso para trás e nos aprofundamos em toda a situação da Alemanha do pós-guerra, perguntando "qual é a nossa música, qual é o som da Alemanha do pós-guerra?". Essa era a questão. Então, conheci Florian em alguns cursos de improvisação no final dos anos 60, numa época muito aberta, em que as pessoas se encontravam em cursos universitários de música e rapidamente começavam a improvisar. A partir daí, montamos nosso estúdio Kling Klang em 1970, para termos uma base, com uma pequena máquina Revox e loops de eco — um equipamento muito simplista. Foi uma época, no final dos anos 60, em que tudo começou a ser questionado, especialmente em Düsseldorf. Víamos pessoas como Fluxus e Josef Beuys na cena artística e éramos fascinados pelos acontecimentos e, especialmente, pela música envolvida neles. Então, trabalhamos com alguns artistas independentes que queriam sons, criando padrões sonoros. Foi uma...

Uma cena muito aberta, sem nada realmente definido. Partimos daí. Não havia indústria musical, como hoje, nenhuma estrutura, então não havia ninguém para te dizer qual caminho seguir.

Music Technology Muitas das bandas "progressivas" britânicas da época estavam interessadas em novos sons, mas pareciam não saber exatamente o que fazer com eles...

Ralf Hütter: Acho que essa era a situação aqui, já havia muito marketing e merchandising estruturados pela indústria musical. Não havia nada parecido em Düsseldorf, era inexistente. Era uma situação completamente anárquica. E como você provavelmente sabe, fazíamos isso na região de Düsseldorf, enquanto em Colônia era o Can, outras bandas em Munique, Tangerine Dream em Berlim; tudo acontecia com diferentes aspectos vindos de diferentes cidades. Nos encontrávamos em festivais, já nos conhecíamos um pouco, mas claramente vínhamos da cena de Düsseldorf.

TMusic Technology A tecnologia chegou a um ponto em que não cria apenas sons, mas também um tipo de espaço — um espaço virtual...

Ralf Hütter: Claro, quando li sobre isso há alguns anos, foi como um grande avanço nas artes visuais — mas já fazemos isso há 20 anos e, especialmente quando você assiste ao espetáculo, percebe que é uma realidade virtual. Somos reais, mas com as imagens criamos outras realidades. Não há carros de verdade envolvidos, mas você pode vê-los, ouvi-los, talvez sentir o cheiro deles, ou de trens ou o que quer que seja. Então, a música é uma realidade virtual, ela chega até você e você entra em um espaço diferente. Simplesmente andar por aí usando um Walkman transforma completamente a sua realidade. É aí que os desenvolvimentos musicais estavam muito à frente dos ópticos. A música está à frente nesse nível porque você não tem coisas sobre os olhos, você ainda está atento ao ambiente. É também por isso que a música é tão importante na sociedade atual; Nos últimos 20 ou 30 anos, sua importância tem sido enorme — talvez até superimportante, embora seja difícil para mim dizer isso! Talvez a música deva ser apenas uma parte da vida.

Music Technology Era, talvez antes do gramofone, e mesmo depois dele, enquanto ainda era um luxo limitado — mas agora todo mundo ouve música o tempo todo, em todos os lugares...

Ralf Hütter: É por isso que, quando alguém me pergunta sobre meus dez melhores discos, eu sempre incluo o silêncio — desligar o toca-discos, e esse é um dos sons mais importantes. E eu odeio toda essa música tranquilizante zumbi, condicionando as pessoas em lojas, elevadores e em todos os tipos de lugares, é só poluição. Sempre chamamos isso de música da poluição, e ela tem que acabar, porque queremos ouvir os sons reais — eu quero ouvir o som da escada rolante, quero ouvir o som do avião, o som do trem. Trens com bom som, por si só, são instrumentos musicais. Essa música ambiente, essa música desinteressante de pessoas desinteressantes, temos que acabar com isso. Sempre que possível, nos Estados Unidos, temos esses pequenos cortadores de fios, para que possamos cortar os cabos onde quer que os vejamos... Queremos conscientizar as pessoas sobre a realidade, trazendo em nossas composições os sons de carros e trens, e a ideia da beleza dos próprios sons.

Music Technology: Há uma verdadeira sensação de três dimensões em "Electric Cafe", por exemplo...

Ralf Hütter: Você pode torná-lo tridimensional com a sua imaginação, e a eletrônica é perfeita para isso por causa dos sons que ela propõe. Em vez de vir de um instrumento tradicional, que está sempre localizado no mesmo lugar, você pode colocá-los na mixagem e fazê-los se mover, e quando isso acontece, coisas como alterações espaciais ocorrem na sua cabeça. Há panning e também reverb para profundidade. Você estabelece dimensões, algo como um reverb curto para soar muito próximo, e algo como um reverb de catedral para "se enganar" achando que está muito distante. Stockhausen construiu este prédio redondo com alto-falantes, onde o público se senta no meio e há som por toda parte. Sempre houve panning e outros dispositivos na Musique Concrete também.

Music Technology Os sons em si parecem ter mudado ao longo dos anos, tornando-se de alguma forma menos "barulhentos"...

Ralf Hütter: Sempre usamos ruído — música é ruído organizado — não mudamos nossa atitude em relação ao ruído, mas talvez com o ruído gerado por computador de hoje e coisas do tipo, ele esteja ficando mais "bip", enquanto antes era mais fisicamente concreto. Mas isso não é intencional, simplesmente aconteceu e pode facilmente voltar ao normal... As pessoas sempre responderam bem aos "barulhos" que usamos desde o início, sempre criamos interesse, seja localmente ou na cidade vizinha. Então isso nunca foi um problema. Naquela época, acho que era a hora, as pessoas queriam ouvir novos sons. Todos estavam interessados; não podíamos nem fazer tudo o que as pessoas queriam ouvir, era uma época de mente tão aberta. Definitivamente, poderíamos ter feito mais do que fizemos.

Music Technology Quais são as diferenças significativas entre a emenda de fitas e a edição digital?

g, além da nova tecnologia ser mais rápida?

Ralf Hütter: Não é necessariamente mais rápido. Mas você toma as decisões finais ao emendar, corta a fita e pronto. Ao editar no computador, você sempre pode voltar atrás. E com fitas, você tem tantas emendas e pedaços de fita que nem sempre consegue se lembrar onde está sua música! Fica muito complicado. Com programas de computador, tudo está na memória, e a máquina permite que você se lembre instantaneamente. É como uma expansão da sua própria memória, enquanto a fita é uma expansão da sua memória, mas você nem sempre consegue se lembrar onde está sua memória! Filosoficamente, isso é muito interessante, eu acho.

Music Technology: Todo mundo tem a ideia de que você passa o tempo todo trabalhando no estúdio, mas sua produção real não é tão prolífica...

Ralf Hütter: Não, apenas quando estiver finalizado, quando realmente quisermos dar novos passos ou desenvolvimentos. Lançaremos algo apenas quando for possivelmente relevante para nós ou para outras pessoas. "The Mix", por exemplo, era um material antigo, mas estava sendo digitalizado pela primeira vez. O último álbum foi de meados dos anos 80 e era meio a meio – ainda gravado em fita analógica com alguns equipamentos digitais envolvidos. E agora a gravação é totalmente digital, com o estúdio configurado para um console modular, reprogramação e gravação de todos os nossos sons em mídia digital. Tudo estava funcionando bem, e pensamos "vamos fazer Autobahn" – certo, como é? E ouvimos o disco, que não ouvíamos há algum tempo, e dissemos "não, vamos fazer diferente". Então, mixamos, digitalizamos as gravações – as faixas originais – e, como documentação dessa parte do trabalho em estúdio, lançamos "The Mix". É uma mistura dos nossos desenvolvimentos – de então e de agora – com muita mixagem literal de estúdio envolvida – canais, sequenciadores, faixas. É assim que nos lembramos da música também – nunca anotamos nada. Lemos música, mas não muito bem, e não nos importamos muito, porque de qualquer forma, não podemos escrever nossa música. A notação musical é uma restrição à música. É para o museu. Eu sempre ficava entediado quando tinha que ler essas notas; não é nada, é só papel. Notas em papel. Os sons é o que me interessa. E como fazemos isso. Muito raramente fazíamos um pequeno motivo, para denotar um determinado som, mas é só isso. Só para não esquecermos, para que outros não leiam. E às vezes esquecemos mesmo assim, o que eu acho também muito importante, porque se isso volta para você dos diferentes estágios da memória, se te lembra de si mesmo, então talvez seja algo muito forte.

Music Technology No palco, o quanto é pré-gravado, a ponto de ser inalterável?

Ralf Hütter: Não é pré-gravado, é armazenado digitalmente. Não há fitas, é tudo gravado no computador. Na prática, podemos mudar o quanto quisermos, cortar faixas, adicionar faixas, silenciar, duplicar. É isso que fazemos - acesso total. Podemos tornar qualquer faixa mais longa, de acordo com o trabalho. Certas coisas são escritas, mas certas composições podem ter um ponto de partida e ser totalmente abertas, com a programação funcionando em loop. Pode ser como quisermos. A única coisa que é realmente escrita do início ao fim é "The Robots", com saída do computador para sincronizar os robôs no palco, de modo que seus movimentos sejam todos controlados por computador e sejam sempre idênticos - muito robóticos. Todas as outras composições são escritas apenas como sequências básicas. Há algo semelhante ao jazz nesse aspecto, eu acho, como quando eles tocam qualquer música, seja Miles Davis tocando Cindy Lauper, ou antigamente qualquer música boba da Broadway, e simplesmente a tomam como um "tapete voador" para improvisação.

Music Technology É interessante que a música improvisada realmente tenha ganhado importância à medida que a música gravada se tornou disponível.

Ralf Hütter: Ao mesmo tempo que o magnetofone, sim, uma importante coincidência histórica, talvez, à medida que a dependência da música escrita diminuía.

Music Technology O magnetofone foi inventado na Alemanha antes da guerra, mas só foi realmente usado para música depois, e sempre me diverti com o fato de ter sido Bing Crosby quem introduziu essa tecnologia nos Estados Unidos, pagando para que esses modelos da Telefunken fossem levados para lá e colocados em estúdios de pesquisa para ver o que poderia ser feito com eles — efetivamente dando início à indústria fonográfica moderna...

Ralf Hütter: Provavelmente sua maior conquista. Muito melhor do que seu canto...

Music Technology A ampla disponibilidade de música gravada ajudou a torná-la menos policiada, mais politicamente subversiva?

Ralf Hütter: Bem, não é permitido em todas as áreas e não é permitido em todos os países, apesar da tecnologia. Por exemplo, não tínhamos permissão para entrar na Alemanha Oriental, e só posso presumir que era porque estávamos usando a tecnologia deles de uma maneira diferente — porque eles tinham a tecnologia, tinham fitas, rádio, câmeras, mas as usavam para a segurança do Estado. Eles tinham que proteger o Estado do seu próprio povo. Um conceito muito estranho, muito orwelliano. Nós temos

Ainda não toquei lá, espero que este ano. Mas tocamos na Polônia, pelo Solidariedade, e no final isso mostra o caráter subversivo da eletrônica – é incontrolável.

Music Technology Em vez de haver uma emissora central transmitindo para cada cidadão, é o contrário, com várias emissoras para cada pessoa... ou pelo menos esse é o potencial.

Ralf Hütter: Sim, em primeiro lugar é uma possibilidade, então vamos aproveitá-la. Mas se todos tocarem o Top 40, a situação se repete – embora eu não ache que esse seja o caso.

Music Technology: Foi uma surpresa para você que sua música tenha feito tanto sucesso em, por exemplo, Chicago e Detroit?

Ralf Hütter: Sim, mas sempre tivemos uma reação muito favorável do público negro nos Estados Unidos, mesmo antes do house e do techno. Lembro-me de que alguém me levou a uma boate por volta de 76 ou 77, quando "Trans Europe Express" estava sendo lançado, e era um loft club em Nova York, depois do expediente, justamente quando a cultura dos DJs estava começando, quando os DJs começaram a fazer seus próprios discos, seus próprios grooves. E eles pegaram trechos de "Metal on Metal" em "Trans Europe Express", e quando entrei, estava "bum-crash - bum-crash", então pensei "ah, eles estão tocando o novo álbum". Mas durou dez minutos! E eu pensei "o que está acontecendo?". Aquela faixa tem só uns dois ou três minutos! E depois fui perguntar ao DJ e ele tinha duas cópias do disco e estava mixando as duas, e é claro que podia continuar tocando enquanto as pessoas dançassem... Isso foi um verdadeiro avanço, porque naquela época você fixava um certo tempo no disco, menos de vinte minutos de cada lado, para poder gravar a impressão em vinil. Foi uma decisão tecnológica dizer quanto tempo a música duraria. Costumávamos tocar em tempos diferentes ao vivo, mas lá estávamos nós, naquela balada noturna, e eram dez, vinte minutos de gravação, porque a vibe estava lá.

Music Technology: Vocês conscientemente passam de um "conceito" para o outro a cada álbum?

Ralf Hütter: Não exatamente, às vezes temos vários conceitos, ideias soltas para trabalhar, mas nunca temos muito material inédito, apenas algumas fitas de teste talvez; não exatamente como alguém que guarda uma coleção de músicas. Só recentemente percebemos que temos um catálogo, simplesmente nos aprofundamos em um conceito e depois o lançamos. Eles são feitos em um período bem curto. O resto do tempo trabalhamos no estúdio, ou no visual, reunindo as coisas. Agora estamos muito envolvidos com os aspectos multimídia da música. Sempre "vimos" nossa música, mas naquela época não podíamos fazer nada a respeito. Agora podemos colocar palavras em uma tela, criar imagens — como em uma "autobahn", apenas uma simples placa de sinalização — qualquer forma de ilustrar a música.

Tecnologia Musical: Vocês estavam no lugar certo na hora certa, mas é mais difícil agora para bandas chegarem a uma posição como a sua, onde tanta coisa está disponível para vocês?

Ralf Hütter: Acho que previmos que a música eletrônica seria a próxima fase da música popular — a música popular — e as pessoas disseram que era loucura, muito elitista, intelectual, e tivemos que dizer não, era música do dia a dia — carros, barulhos, microfones captando música para todos. Naquela época, todo mundo tinha gravadores para festas, para gravar seus próprios sons do rádio. Mas com a tecnologia de hoje, você pode fazer mais, com pequenas baterias eletrônicas, sintetizadores e programas básicos de computador. Na Kling Klang, temos muito do lado tecnológico, o que seria mais fácil, eu acho. Mas ainda depende de ideias, de decidir o que vamos tocar, o que vamos fazer com essas coisas?

Tecnologia Musical: E o que você vai fazer com isso agora?

Ralf Hütter: O que estamos fazendo agora é em disquetes, a música nem sequer é gravada. Enviamos para cá, ou para amigos em Nova York, e o que estamos fazendo também é música de diferentes lugares ao mesmo tempo, conectando e sincronizando por modem. Transferência de dados entre estações de trabalho — quando isso realmente acontecer, a música vai sair aos montes, tenho certeza.

Entrevista com Mark Sinker

www.muzines.co.uk

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Wolfgang Flür — Entrevista — The Guardian — 1º de março de 2001


The Guardian
– Que computadores/hardwares vocês usavam nos primeiros dias do Kraftwerk?

Wolfgang Flür – Não existia algo como computador pessoal, e havia pouca coisa que pudéssemos usar eletronicamente! Ralf [Hütter] comprou um imenso e caríssimo sintetizador Moog, e Florian [Schneider] tinha um dos primeiros sintetizadores ARP Odyssey. Nós tínhamos uma bateria minúscula e quebrada que me inspirou a construir uma placa de percussão eletrônica — a primeira do mundo — em 1973. O órgão Hammond do Ralf foi adaptado com válvulas de rádio e cortado em duas partes para facilitar o transporte. Também usávamos uma mesinha de som minúscula e um osciloscópio. Em 1977, usávamos um sequenciador de hardware feito à mão pela Matten & Wiechers, que tinha capacidade para 16 faixas. Os softwares de sequenciamento assistido por computador só chegaram em meados dos anos 80 com o MIDI, mas quando saí do grupo, em 1986, ainda nem estávamos usando MIDI!

The Guardian – Como você tomou conhecimento da internet pela primeira vez?

Wolfgang Flür – Foi há cerca de quatro anos, assisti a um programa sobre isso, mas achei tudo muito americano e um pouco assustador. Levei mais dois anos observando antes de decidir me conectar. Uso a internet para pesquisar datas e fatos para meus escritos. Estou escrevendo um romance estranho e maluco chamado No Vacancies, e estou pensando em disponibilizar os primeiros capítulos de graça na rede. Também estou planejando postar samples da minha música “On The Beam” para os fãs brincarem com eles.

The Guardian – Existe alguma tecnologia que você gostaria que não existisse?

Wolfgang Flür – Eu proibiria todos os jogos de guerra de computador, tecnologia bélica e jogos violentos. São imorais, desumanos e apelam para nossos instintos mais baixos. Os resultados disso a gente vê nas ruas.

The Guardian – Como você se sente em relação ao compartilhamento de arquivos e ao iminente fechamento do Napster?

Wolfgang Flür – Eu adoro a troca de softwares entre almas afins — é como compartilhar bolinhas de gude na infância. Mas estou feliz que estejam fechando o Napster. É complicado demais controlar os direitos dos artistas, e por que o Napster deveria distribuir nossa música de graça? Músicos vivem de suas composições, e não gostamos de ser roubados!

The Guardian – Qual a sua visão geral sobre a internet?

Wolfgang Flür – A internet parece um conto de fadas para adultos — multifacetada e viciante — e ao mesmo tempo atende nossa necessidade de consumo. Em breve, todos estarão conectados a esse “palco do desejo” e se comunicarão com ele, lerão jornais, verão filmes, encomendarão bens e produtos. Estamos perdendo a fala, perdendo os contatos pessoais, perdendo as aventuras das compras.

The Guardian – Você tem sites favoritos?

Wolfgang Flür – Gosto da Amazon, da Books Online e do site do Clube Automobilístico da Alemanha, para informações de viagem.

The Guardian – Algum gadget preferido?

Wolfgang Flür – Meu computador Macintosh, meu sintetizador Supernova, meu gravador de voz Nokia, meu minidisc da Aiwa, meu microfone AKG Solitube, meu sintetizador Quasimidi Sirius solo entertainer, minha impressora colorida Epson, minha câmera digital Jenoptik, meus fones de ouvido AKG com três vias, minha impressora preta StyleWriter, minha TV Schneider, meu...

Wolfgang Flür ao The Guardian, publicada em 1º de março de 2001, com o entrevistador Hamish Mackintosh:

domingo, 15 de junho de 2025

Kraftwerk - Live - Majestic Theatre, Dallas, Texas, USA April 24, 2025




O Kraftwerk encerrou a fase "América do Norte" de sua Multimídia Tour entre março e abril com um resultado bastante satisfatório — não só para os integrantes, mas principalmente para o público. Ao todo, foram 32 apresentações.

Na última delas, os fãs que compareceram ao Teatro Majestic, em Dallas, no Texas, foram surpreendidos durante a música "Spacelab": em vez da tradicional nave espacial, uma torta de morango apareceu no telão, arrancando risos e aplausos da plateia.

Ao final do show, após "Music Non Stop", os quatro integrantes retornaram ao palco para agradecer pessoalmente ao público. Os "homens-máquina" não conseguiram esconder os sorrisos e acenaram timidamente em despedida.

A segunda fase da Multimídia Tour continua agora pelo continente europeu, passando por Reino Unido, Alemanha, Países Baixos, Itália, Polônia e França, até 21 de dezembro de 2025, quando se encerra no Great House Festival, na Áustria.





 




sexta-feira, 13 de junho de 2025

Karl Bartos — Entrevista — Future Muisc — 9 de Janeiro de 2024

 


KARL BARTOS

Ex-integrante do Kraftwerk, Karl Bartos conta a Hamish Mackintosh a história de fundo não tão horripilante da sua nova trilha sonora para Dr. Caligari.

Karl Bartos | No Estúdio Com

Falei pela última vez com Karl Bartos cerca de 10 anos atrás, por ocasião do lançamento de seu maravilhoso trabalho através de seus próprios arquivos musicais, Off The Record. Para aqueles de nós de uma certa geração, o Kraftwerk foi, indiscutivelmente, a porta de entrada para toda a música eletrônica que se seguiu. Bartos foi uma peça fundamental da lendária banda alemã por 15 anos, contribuindo para o que hoje são considerados álbuns clássicos, até deixar o grupo em 1990, frustrado com a prolongada estagnação criativa da banda. Sua recente autobiografia The Sound of the Machine: My Life in Kraftwerk and Beyond é leitura essencial.

Após o Kraftwerk, Bartos formou o Electric Music, lançou dois álbuns antes de colaborar com Bernard Sumner e Johnny Marr no projeto Electronic, além de trabalhar com Andy McCluskey do OMD. Em 2021, foi incluído no Rock & Roll Hall of Fame como parte da formação clássica do Kraftwerk.

O Gabinete do Dr. Caligari foi um trabalho de longa data para Bartos e a trilha sonora resultante é fruto de um fluxo criativo de dois anos entre seu estúdio em Hamburgo e o estúdio em Düsseldorf de seu amigo e engenheiro, Mathias Black. Segundo Black, a dupla “usou FaceTime, compartilhamento de tela e, por assim dizer, compartilhamento de vida, um servidor em nuvem. Não dá para substituir o trabalho conjunto em um único estúdio, mas ajuda”. O álbum resultante é uma fusão intoxicante entre o orquestral e o eletrônico; é difícil acreditar que este seja o primeiro trabalho propriamente dito de Bartos em trilhas sonoras (apesar de já ter contribuído para Metropolis, do Kraftwerk, uma homenagem ao filme homônimo de Fritz Lang).

A entrevista foi uma oportunidade prazerosa para um bate-papo sobre música e filosofia com o sempre encantador Mr. Bartos, em seu estúdio minimalista em Hamburgo (assim como para ouvir mais sobre sua atitude surpreendentemente cautelosa com computadores).

É incrível descobrir que este é seu primeiro projeto de trilha sonora. Como compor esta música para Dr. Caligari foi diferente de montar um novo álbum de músicas?

“A diferença ao criar uma trilha sonora é que, como a música de dança, é uma música funcional... ela é feita por um motivo e as pessoas na pista de dança movem seus corpos a isso. O mesmo se aplica à música para filmes. Algumas músicas, por exemplo, A Sagração da Primavera, de Stravinsky, foram compostas para o balé. Durante o processo de composição para esse filme, considerei o movimento dos atores como um balé, então, claro, a música precisa se ajustar a seus movimentos. É um processo reverso de coreografia. O processo de escrever uma trilha é muito estressante, você não tem muito tempo, e alguém vai te dizer para fazer de um certo jeito, mas escolhi fazer essa do meu jeito. Escrevi sobre isso na minha autobiografia.”

Na última vez que conversamos sobre o lançamento do seu álbum solo Off The Record, você havia explorado seus arquivos pessoais para encontrar material para trabalhar. Você fez algo parecido para compor a trilha sonora?

“Na verdade, essa é uma boa pergunta. Eu incorporei algumas músicas que escrevi quando era estudante no Conservatório de Música do Reno, durante as aulas de contraponto. Eu juntei tudo com meu parceiro musical Mathias Black. Um dos motivos pelos quais eu queria tanto fazer essa trilha foi porque o filme era quase como o Big Bang da cultura pop. O personagem Cesare quase parece o David Bowie [risos], ou o predecessor do David Bowie, eu acho. Eu amei isso.”

No Estúdio Com | Karl Bartos

Houve uma recepção crítica calorosa ao Off The Record que te surpreendeu?
"Sim, e ela vem crescendo ao longo dos anos. No início, foi difícil decolar porque eu não fazia shows ao vivo. Não tenho uma banda, então não podíamos fazer apresentações ao vivo. Levou um tempo, mas agora está ficando cada vez maior."

Ainda há muitos tesouros musicais a serem extraídos dos seus arquivos, e o armazenamento digital tornou tudo fácil demais?
"Sim, mas para armazenamento e administração o computador é perfeito [risos] – o que já é muita coisa!"

Nos primeiros anos com o Kraftwerk, você alguma vez imaginou uma época em que se poderia ter uma estação musical funcional na palma da mão?

 "Não, não realmente. Quando tivemos a ideia de fazer um álbum chamado Computer World, eu sempre comparo isso ao livro Neuromancer, de William Gibson, que foi escrito em uma máquina de escrever — analógica. As coisas que ele imaginava em sua cabeça estavam muito à frente de seu tempo. Então, quando fizemos Computer World, tínhamos um Moog system, um ARP synth e um sequenciador de 16 passos, mas a imagem já estava na nossa cabeça. A gente não poderia imaginar que, em 2023, você poderia, em teoria, gravar o universo com sua música num telefone celular."

Você acha que jovens artistas e produtores que começaram a fazer música no Reason ou no Ableton Live têm ideia de como era difícil, antigamente, sincronizar até mesmo dois equipamentos eletrônicos entre si?

 "Alguns anos atrás, eu tinha uma posição de professor na Universidade das Artes, em Berlim, e alguns dos alunos eram apenas DJs. Alguns deles surgiram com a ideia de que tudo de que precisariam depender estava nos laptops. Isso realmente me surpreendeu na época. Normalmente, no início de cada semestre, íamos a um ensaio de uma orquestra sinfônica. Lembro que no primeiro que fomos, foi com o Sir Simon Rattle e, depois do concerto, sentamos do lado de fora da Filarmônica de Berlim com algumas partituras, e eu expliquei a eles como uma partitura é parecida com uma tela de computador – a principal diferença é que uma partitura não reproduz o som. Então você precisa saber como montar as notas e usar sua imaginação para encaixar todos os blocos juntos."

Quais equipamentos você usou em seu estúdio para o álbum Caligari?

 "Bom, tem um Polymoog original aqui e ele ainda funciona! Grande parte da música do álbum foi feita com ele. Eu trabalho neste estúdio em Hamburgo, e meu parceiro musical Mathias (Black) tem seu estúdio em Düsseldorf, e às vezes ele vem até aqui e conecta meu computador ao dele. Ele às vezes me ajuda com toda a tecnologia quando tudo começa a ficar complicado, porque meu cérebro está acostumado a resolver coisas mais abstratas como a música. Os computadores às vezes te fazem sentir como se você tivesse que resolver problemas. Não é criativo, então peço ajuda ao Mathias, e ele também é um ótimo músico, o que ajuda."

Então, você acha que computadores no processo musical podem acabar criando tantos problemas quanto resolvem?

 "Às vezes tenho a sensação de que a cultura musical hoje é moldada por cientistas da computação, porque você precisa sempre preencher um formulário. Então, eu tive que preencher os formulários enquanto fazia o Caligari em forma de som. Embora Caligari tenha sido composto na minha cabeça, e o piano tenha apoiado essa imaginação e meu violão Martin D28 acústico. Então eu trabalho a ideia, escrevo, e depois passo para o computador. Nos primeiros dias do Kraftwerk nós tínhamos uma máquina de fita, e agora basicamente uso o computador apenas como uma ferramenta de gravação."

Você carrega algum dispositivo portátil para capturar ideias enquanto viaja?

"Não… Eu fiz uma observação de que, se tenho uma ideia para uma música, pego meu violão e canto junto com ela, e não gravo. Eu nem escrevo. Depois, da próxima vez que pego o violão, meu subconsciente vai adicionar algo. Acordes são os blocos da música pop, então eu toco alguns desses acordes-bloco e meu subconsciente preenche as lacunas. Assim, não é algo planejado, e vem de algum lugar da minha alma… [risos]

"Às vezes eu tenho a sensação de que a cultura musical hoje em dia é feita por cientistas da computação porque você sempre precisa preencher um formulário."

Seu computador está longe de ser uma ajuda musical para você, então?

 "Você tem que manter esse processo em andamento e lembrar o que você fazia antes. Com um computador, ele reproduz cada pequena ideia de volta pra você... por quê? Eu só quero preencher o vazio na minha mente, não na realidade. O processo criativo não é preencher um formulário. Trata-se mais de observar o mundo e a natureza e tentar imitar isso, colocar isso na arte e interpretar sentimentos humanos. Se for isso, então eu não quero ouvir isso do computador. Eu quero explorar, quero encontrar a próxima geração de acordes. Então eu toco isso no dia seguinte e meu cérebro vem com outro acorde. Você tem que manter sempre em mente o ato da criação, que é sobre uma ideia, certo? A pergunta não deve ser ‘o que eu tenho no estúdio’ ou ‘que equipamento vou usar’, a pergunta é: ‘do que eu preciso?’ É uma luta entre ideia e realidade… sempre, para transformar minha ideia em realidade.”

Lembramos da última vez em que conversamos, falamos sobre como é fácil se perder entre tantas opções em meio a todas as novas tecnologias. Isso ainda é relevante para você?

 “É por isso que eu reinventei esse procedimento de não gravar nada, mas sim desenvolver. De novo, como Paul McCartney disse em seu último livro, ele ia até a casa de John [Lennon] e havia um momento criativo surgindo, e eles tinham uma ideia. No dia seguinte voltavam e, se não conseguiam lembrar da ideia, então é porque ela não era boa o suficiente.”

É como um filtro?

“Sim, é como um filtro cerebral, e se você não consegue lembrar, então esqueça. Se conseguir lembrar, então, no dia seguinte, algo se encaixa – a ponte, os refrões ou as palavras. Seja compondo música pop ou não, você precisa de palavras. Elas têm que se conectar com sua vida cotidiana. Infelizmente, essa maravilhosa máquina, o computador, vem junto com tantas ferramentas de administração que você sempre se distrai com elas. Então você tem que sempre lembrar de como desligar o computador.”

Essa postura certamente está em sintonia com uma tendência crescente de fazer música fora da caixa, no momento...

“No começo, muitas vezes chamávamos nosso estúdio de um jardim eletrônico,

mas esse jardim se transformou em uma fazenda industrial.” 

Karl Bartos | No Estúdio Com

“É praticamente uma rua sem saída. Ray Davies disse em Waterloo Sunset, ‘todo dia eu olho o mundo pela minha janela’, e então ele diz o que vê. É exatamente isso que você faz se for compositor. Você olha para o mundo exterior e tenta transpor o que vê para a música. Com o Kraftwerk, tínhamos aquele conceito do homem-máquina, que foi tirado do filme Metropolis, de Fritz Lang, sobre o robô feminino chamado Futura, mas nós (Kraftwerk) estávamos tocando juntos em uma sala, olhando um nos olhos do outro. Colocamos nossa comunicação na música. O ponto de virada para nós foi a digitalização, e quando o Kraftwerk virou uma instituição nós paramos de ser contemporâneos [risos]. Em vez disso, viramos vendedores de nostalgia.”

“Você sabe, quando o computador apareceu, era o sonho de um empresário. No começo, muitas vezes chamávamos nosso estúdio de ‘jardim eletrônico’, mas esse jardim se transformou em uma indústria agrícola. Quando escrevemos Computer World, ainda éramos como crianças tocando juntas. Estávamos brincando com o sequenciador Music and Rhythm Laboratory, como o Friend-Chip “Mr. Lab” — o Kraftwerk também usava o sequenciador Synthanorma nessa época, mas aí o computador apareceu e nos transformou em uma caixa de música. Viramos uma caixa musical, e também nossos cérebros foram digitalizados. Passamos todo nosso tempo resolvendo problemas com tecnologia.”

Que equipamentos você tem à disposição no seu estúdio em Hamburgo?

 “Tenho muitos computadores. Para o projeto Caligari, Mathias e eu trabalhamos com Logic Pro em um Mac Pro cada um, com todos os plugins disponíveis, como Organteq, Vienna Symphonic Library, Waves e hardware da Neve, TubeTech, BSS, Lexicon, Sony.”

Estaríamos certos em pensar que você também tem um tesouro de sintetizadores antigos guardado?

 “Ainda tenho dois Minimoogs, o Polymoog, ARP Odyssey, Korg PS-3100, MS-20, MS-50, Roland MC-202, TB-303. Alguns teclados digitais, como Roland D-50, Yamaha DX-7, Nord Electro, Virus B, Novation, entre outros. Todos eles soam ótimos, mas você precisa entrar no espaço digital para a produção. Todo som analógico é gravado no espaço digital, e é aí que vem a confusão novamente. Com o Kraftwerk, a gente chegava ao estúdio e começava a tocar com um objetivo. Ou às vezes apenas celebrávamos a improvisação. Conversávamos, ríamos, tocávamos, olhávamos uns para os outros na orelha e transferíamos toda essa informação para a música. Esse era o grande segredo! A ideia era que o computador nos daria mais tempo para a criatividade, mas o efeito foi o oposto. Passamos muito tempo com a organização do som e com a tecnologia. O ser humano não estava mais no centro de tudo, o computador estava. E acabamos servindo à indústria da computação.”

Então, ironicamente, o computador teve um impacto negativo no processo musical do Kraftwerk?

 “Sim, a gente nem se falava no estúdio e havia mais engenheiros do que músicos. É como se hoje todo empresário pensasse que precisa de um computador. Não sou contra, mas a indústria é tão boa em vender essas máquinas para todos... para escolas, para crianças. Ainda acho que o futuro é o futuro, mas isso não é certo, porque o futuro é o que fazemos dele. Algumas pessoas no Kraftwerk acreditavam tanto nisso que achavam que era progresso, mas eu realmente não conseguia seguir aquilo. Acho que inovação e progresso não são sinônimos. Você consideraria a máquina de guerra — ou a bomba atômica — um progresso para a humanidade? Não tenho tanta certeza.”

Parece o momento ideal para perguntar sua opinião sobre IA na música?

 “É superestimado, eu acho. É só um arquivo do conhecimento humano. Então, se você fosse remixar A Galáxia Gutenberg [o reverenciado livro de Marshall McLuhan dos anos 60], A Mona Lisa e as Variações Goldberg, o que seria colado e copiado? Não sei! Acho que é um sonho molhado de alguns caras do Vale do Silício. Eles são realmente bons em nos vender a IA... mas onde estão os resultados?”

Você fará apresentações ao vivo de Dr. Caligari em breve. Como vai apresentar a música nesses shows?

 “Mathias vai tocar comigo. Ele é meu amigo e parceiro musical. Não sei se você já viu imagens de Pierre Schaeffer e Pierre Henry apresentando sua musique concrète. Eles usavam fitas, como fazemos com o computador, porque a base do som é a orquestra sinfônica, e depois o Mathias e eu tocamos por cima. Então o Mathias está fazendo o que o Stockhausen chamaria de ‘diretor de som’. Ainda há muitas coisas musicais que me deixam animado hoje em dia!”