sexta-feira, 30 de maio de 2025

Karl Bartos Entrevista — Classic Pop Magazine — 2025

 


Karl Bartos, 2021. Foto por Patrick Beerhorst

O músico Karl Bartos, com formação clássica, foi integrante do Kraftwerk em uma sequência impressionante de álbuns, de Radio-Activity a Electric Café. Tendo se mantido em silêncio sobre sua antiga banda, sua poderosa nova autobiografia oferece uma perspectiva totalmente nova sobre a vida dentro da máquina-humana. Ele concede sua primeira entrevista britânica sobre o Kraftwerk e além, exclusivamente para a Classic Pop.

Embora o Kraftwerk tenha sido justamente celebrado por suas aventuras pioneiras na música eletrônica, não se deve ignorar o quanto eles também tinham uma aparência fantástica. Fixa na mente de muitos como a formação clássica — Ralf Hütter, Karl Bartos, Florian Schneider e Wolfgang Flür — na capa de The Man-Machine de 1978, com camisas vermelhas e gravatas pretas, Bartos tem uma teoria brilhante de por que o Kraftwerk poderia se passar por robôs: todos tinham a mesma altura, exatamente 1,83 metro.

"Éramos todos iguais", observa Karl. "Ninguém era muito baixo, ninguém era gigante. Nunca aconteceu, mas todos nós poderíamos trocar de roupa entre nós. Onde quer que fôssemos, sentíamos uma reação muito forte e sabíamos que uma identidade específica estava sendo transmitida."

Na sua notável autobiografia The Sound Of The Machine, Karl descreve como sentiu que precisava ser músico desde o momento em que ouviu A Hard Day’s Night dos Beatles. Ele percebe uma conexão na imagem das duas bandas:

"Nunca foi ‘John Lennon e os Beatles’ ou ‘Paul McCartney e os Beatles’. Eram sempre os ‘Fab Four’, uma verdadeira banda. O Kraftwerk tinha essa igualdade também na nossa aparência. Éramos a banda perfeita, sem uma estrela que dominasse visualmente. As pessoas gostam dessa igualdade."

É uma teoria tipicamente bem formada de um músico que — como seus ex-colegas — raramente falou sobre a vida dentro do Kraftwerk. Karl é literalmente mais qualificado do que a maioria para teorizar sobre música pop.

Ele estudou percussão no Conservatório Estadual da Renânia desde 1970, combinou boa parte do seu tempo no Kraftwerk com aulas de música e, em 2004, fundou um programa de mestrado na Universidade das Artes de Berlim, na área de comunicação acústica. Dentro do brilhante robô do imaginário do Kraftwerk pulsa o coração de um homem que vive pela música.

Por muito tempo, Bartos relutou em falar sobre sua passagem pelo Kraftwerk: "Sempre me senti desconfortável falando sobre nosso tempo juntos" — por isso, suas opiniões sobre música são pouco conhecidas. E elas realmente merecem ser ouvidas.

A mística que se formou em torno do Kraftwerk nos anos 70 os congelou no tempo como aqueles robôs. Na realidade, por uma chamada de Zoom desde sua casa em Hamburgo, Karl não poderia parecer mais humano. Seu escritório é mais de professor do que de pioneiro eletrônico: uma parede cheia de arquivos, uma pequena planta e um planner cheio de post-its. Com cabelo grisalho impecavelmente penteado de lado e vestido com um fleece azul-marinho, Karl é desarmantemente simpático.

Os clichês sobre Kraftwerk e décadas de silêncio poderiam fazer alguém esperar frieza, mas, ao contrário, Karl é espirituoso, com um sorriso gentil sempre pronto. Seu inglês é praticamente perfeito — a única palavra com que ele luta é “ephemeral”, o que até falantes nativos às vezes fazem.

A CIÊNCIA DO SILÊNCIO

Bartos levou três anos escrevendo The Sound Of The Machine, inclusive supervisionando a tradução para o inglês coloquial. Não se deixe intimidar pelo tamanho do livro — 641 páginas. Ele flui rapidamente, é revelador sobre os bastidores do Kraftwerk e recheado de teorias sobre a relação entre música e natureza.

"De forma profunda, a música imita a vida", oferece Karl. "Ela nasce do silêncio, se desenrola no espaço e no tempo, depois desaparece e morre no silêncio. É isso que nós, seres humanos, fazemos também. Provavelmente amamos tanto a música porque ela reflete a nossa vida. A música me ajuda a entender o que as pessoas encontram na religião e no eterno."

Essa não é, necessariamente, a forma de pensar que alguém esperaria de quem ajudou a criar Spacelab. Mas é exatamente essa visão humana do Kraftwerk que fez Karl finalmente estar pronto para compartilhar sua perspectiva sobre a banda: explicar que toda a conversa sobre robôs e eletrônica precisa ser completamente revista, porque aquilo era música feita por humanos, não por máquinas.

Ele é particularmente apegado ao conceito de The Man-Machine, daí o título do seu livro:

"Gosto da ideia que Fritz Lang teve para ‘o homem-máquina’ em Metrópolis", diz Karl sobre o filme visionário de 1927. "O Kraftwerk assumiu essa ideia, de que o robô se tornava a voz da personagem principal, Maria. ‘Homem-máquina’ é uma boa expressão, porque ‘homem’ vem primeiro, não ‘máquina’."

O que Bartos mais lembra com carinho são as interações humanas dentro do Kraftwerk, especialmente trabalhando no lendário estúdio Kling Klang em Düsseldorf.

Perguntado sobre sua lembrança favorita da banda, Karl responde sem hesitar:

"As sessões de composição. Tocávamos como crianças ou músicos de jazz livre. Música é uma conversa. E criávamos conversas musicais: um instrumento falava com o outro, e um terceiro comentava aquela conversa."

Antes de começar uma música, eles conversavam sobre música, sociedade, o mercado fonográfico, ou sobre como David Bowie era tão natural ao falar com a imprensa — algo que eles admiravam. E essas conversas eram então continuadas nos instrumentos.

Depois, saíam para jantar, voltavam ao estúdio e partiam para o que chamavam de “sound drive”, testando as demos no carro.

Computer Love nasceu exatamente desse espírito colaborativo.

"Eu tinha um piano na sala onde dava aulas. Isso me permitia improvisar. Criei uma melodia, escrevi e levei para o Kling Klang. Toquei no sintetizador do Florian e, imediatamente, Ralf encontrou os acordes certos para Computer Love. Criei uma segunda melodia, Ralf respondeu com o refrão. E pronto. A música ficou pronta em cinco minutos. Ainda tenho essa demo original."

Esse tipo de interação humana era comum no pop, mas parecia estar a anos-luz da aura robótica do Kraftwerk. Por isso, The Sound Of The Machine precisava ser escrito.

"Tínhamos igualdade no início. As conversas eram o centro da nossa música. Era um ato coletivo de criação. E foi um bom esforço, porque parecia não exigir esforço algum."

Contudo, desde que Wolfgang Flür saiu em 1987 e Karl três anos depois, Bartos sente que Ralf Hütter reescreveu a história da banda, sem produzir nenhuma música nova — exceto pelo confuso Tour De France Soundtracks de 2003 — que pudesse sustentar sua versão da história.

"Estamos ouvindo a mesma narrativa sobre o Kraftwerk há mais de 40 anos" — diz Karl. "Quis mostrar outro ponto de vista. O tema central do Kraftwerk era a digitalização da tecnologia — mas a música que expressava isso era feita da forma mais humana possível, com Ralf, Florian e eu trabalhando juntos. Ao fim dos meus 16 anos na banda, esse processo criativo havia mudado — de um conceito humano para um conceito não-humano."

SONHOS ANALÓGICOS

Karl tinha 22 anos quando entrou no Kraftwerk. Como seus futuros colegas, já havia trabalhado com o produtor Conny Plank. Ele conheceu Ralf e Florian pouco antes do lançamento de Autobahn, em 1974. Lembra que Ralf — assim como Florian, seis anos mais velho — foi buscá-lo no conservatório em um Volkswagen cinza.

"Ralf e Florian eram jovens e artisticamente engajados. Não sabiam nada sobre música clássica. Assim como eu, cresceram na era do pop, quando a música era o centro da cultura jovem."

Bartos acredita que sua formação clássica era uma curiosidade para eles:

"Era uma cultura contra a qual o Kraftwerk se posicionava", observa. "O engraçado é que hoje eles são exatamente assim: repetem A Flauta Mágica infinitamente."

O fato dos sintetizadores do Kraftwerk serem analógicos era essencial. No livro, Karl escreve que "olhar uns para os outros, e não para telas de computador", era vital para a comunicação musical.

"Fazíamos música na era analógica, não na sua substituição digital. Nossos instrumentos analógicos eram como caixas de música. Havia uma sensação romântica, como nos escritores do Romantismo, Edgar Allan Poe e E.T.A. Hoffmann. Existe algo místico numa caixa de música, como se a máquina tivesse uma alma. O compositor Ravel disse, ao ver uma bailarina girando numa caixa de música: ‘Posso quase ouvir seu coração bater.’ É por isso que a música do Kraftwerk ainda está viva — há algo além do som que as pessoas ainda sentem."

O FIM DO ENCANTO

Karl acredita que Computer World, de 1981, e sua respectiva turnê foram o ápice final do Kraftwerk.

"A turnê foi fantástica", sorri. "O sentimento entre nós, como grupo, era maravilhoso. Essa ideia de ‘turnê 3D’ que o Kraftwerk faz hoje, nós já estávamos fazendo naquela época. Éramos nós, tocando música, olhando uns para os outros. Eu podia dar um tapinha no ombro do Ralf, um abraço no Florian. Nos divertíamos, tocávamos Pocket Calculator e depois íamos a uma boate depois do show. Infelizmente, tudo isso mudou."

Quando o Kraftwerk atingiu o primeiro lugar nas paradas britânicas em 1982 com The Model/Computer Love, foi um momento agridoce.

"Aquilo foi meu momento ‘Day Tripper/We Can Work It Out’", observa Bartos. "Chegar ao topo foi obviamente uma sensação boa, mas mais como uma pergunta do que uma resposta. Eu já tinha algumas ideias da turnê, como o riff de Sex Object e a melodia de The Telephone Call. Tínhamos 20 ou 30 ideias assim. Mas, quando chegamos ao número um, já tínhamos parado de tocar, sentir e responder uns aos outros."

Na visão de Karl, houve várias razões para o Kraftwerk ter parado de se comunicar no estúdio. Musicalmente, o mundo começou a alcançá-los à medida que sintetizadores se tornavam comuns.

"Era muito importante para Ralf e Florian que eles fossem a elite", acredita Bartos. "Havia sempre uma aura de elitismo em torno do dinheiro no Kraftwerk: escolas particulares, férias em St. Tropez e St. Moritz, compras em Nova York. No começo, isso tudo era engraçado, mas virou uma ameaça. Quando a indústria musical alcançou os sons eletrônicos, meus ex-parceiros ficaram perturbados com a ideia de que não eram mais a elite do pensamento artístico."

Ao invés de buscar novas maneiras de avançar, o Kraftwerk ficou preso às modas tecnológicas. Um trecho tristemente engraçado do livro descreve o horror de Karl ao ver um Synclavier gigantesco instalado no Kling Klang.

"O computador organiza a arte demais", afirma Karl. "No Techno Pop, usamos computadores e aquilo virou música feita por copy-and-paste. E copy-and-paste nunca vai substituir a composição que nasce no cérebro, o poético. Você nunca alcança o nível do poético apenas copiando e colando."

Quanto mais Ralf e Florian olhavam para suas telas de computador, mais Karl e Wolfgang se preocupavam.

O álbum Techno Pop — depois renomeado como Electric Café — é um exemplo clássico de um disco excessivamente pensado. Durante seus cinco anos de produção, o Kraftwerk tentou trabalhar, pela primeira vez, com produtores externos como François Kevorkian e Michael Johnson (ligado ao New Order).

"Eles são engenheiros fantásticos, mas não são compositores", dá de ombros Karl. "Em Techno Pop, olhamos demais para o nosso tempo e suas modas, suas inovações técnicas, em vez de focar em criar nossos próprios elementos musicais. O mundo além do tempo é um guia muito melhor para o ato de criar."

Quando Electric Café finalmente saiu em 1986, fracassou. O Kraftwerk, de repente, estava atrasado no tempo, não mais à frente.

Para compensar, a gravadora sugeriu lançar uma coletânea e fazer uma turnê.

"Era isso que deveríamos ter feito", admite Karl. "Se tivéssemos feito uma turnê e lançado um Best Of, poderíamos ter nos reconectado pessoalmente de novo."

Ao invés disso, passaram mais cinco anos retrabalhando músicas antigas para The Mix. Desesperado, Karl saiu.

"Devíamos ter voltado às coisas que nos uniram. Foi de lá que veio nossa melhor música. Eu precisava ir. Por dez anos, pedi: ‘Vamos ser músicos, vamos tocar juntos.’ E não funcionou."

MÚSICA AO VIVO SEM PARAR

Claro, os shows atuais do Kraftwerk continuam recebendo aclamação da crítica. Mas não há música nova para acompanhá-los.

"Ralf se tornou completamente um homem de negócios nos anos 80", franze a testa Karl. "Ele sempre teve uma mentalidade empresarial. Isso fazia o Kraftwerk ser mais organizado que outras bandas. Mas Ralf passou a ser o único a dar entrevistas, e a ideia de que Ralf era o Kraftwerk entrou na mente do público. Mas se Ralf é o Kraftwerk… onde está a nova música do Kraftwerk? Você não pode simplesmente substituir pessoas como eu, Florian e Wolfgang por engenheiros."

"O homem-máquina virou uma máquina de computador. O Kraftwerk virou uma esteira de produção, fabricando produtos a partir de ideias antigas."

Karl e sua esposa Bettina foram a um show do Kraftwerk em Hamburgo:

"Fomos embora. Isso realmente partiu meu coração."

Para Bartos, a falta de música nova é enlouquecedora:

"É a mesma ideia multiplicada repetidamente. É completamente a ideia errada, mas Ralf se safa com isso."

Além das diferenças musicais, questões financeiras também contribuíram para sua saída. Ele quase saiu após Trans-Europe Express, até que Ralf e Florian concordaram em torná-lo sócio pleno dos negócios do Kraftwerk.

Mas, quando deixou de dar aulas para se dedicar exclusivamente à banda em 1981, percebeu que os créditos opacos nas capas dos discos permitiam uma divisão desigual dos lucros.

Houve, eventualmente, um acordo extrajudicial sobre seus royalties, embora ele comente:

"Esse acordo parece ser um canteiro de obras eterno."

Aparentando mais tristeza do que raiva, Karl reflete:

"Nosso processo criativo era uma alegria e um esforço coletivo. Mas o reconhecimento e o lucro foram privatizados. Isso não funciona no longo prazo. E eu não nasci para ser um ‘yes man’."

Pouco depois de Florian deixar o Kraftwerk em 2008, ele e Karl se encontraram por acaso em Düsseldorf. Foi o último encontro deles antes da morte de Florian, em 2020.

"Florian não gostava de replicar a música do Kraftwerk nos shows", revela Bartos. "Ele queria parar de fazer turnês durante a produção de The Mix, então Ralf e eu conversamos sobre Florian trabalhar apenas no estúdio. A herança que ele recebeu do pai foi sua liberdade para deixar o Kraftwerk."

"Aquele encontro com Florian me deixou muito triste, porque só falamos do acordo que ele e Ralf fizeram para sua saída. Não falamos sobre música, só sobre o Kraftwerk como empresa e sobre Florian como acionista. Fiquei muito infeliz depois disso."

Um encontro casual com Ralf foi igualmente desanimador:

"Ralf já não era mais a pessoa com quem eu conseguia compor. Ele se tornou um completo estranho, física e mentalmente. Isso me deixou muito, muito triste."

NOVA VIDA, NOVAS PARCERIAS

Depois de sair do Kraftwerk, Karl encontrou uma relação muito mais harmoniosa com o Electronic — projeto de Bernard Sumner e Johnny Marr — tocando no segundo álbum deles, Raise The Pressure, de 1996.

"Conhecer Bernard e Johnny me ajudou a sobreviver depois de sair do Kraftwerk", sorri Karl. "Eles me lembraram de como era trabalhar no Kraftwerk no começo. Meu cunhado é do norte da Inglaterra também, e compartilhamos o mesmo humor e a mesma maneira de pensar. Ver Bernard criando letras a partir da linguagem cotidiana foi inspirador. Adoro quando eles me ligam, porque sempre falamos de música. Bernard e Johnny vivem na música, não no mercado financeiro."

A amizade foi tão inspiradora que Karl quase se mudou para Manchester, mas Bettina, sua esposa, precisava trabalhar em alemão como jornalista, então permaneceram na Alemanha.

Johnny também reacendeu em Karl o desejo de tocar guitarra em sua própria música:

"Quando vi sua enorme coleção de guitarras e o assisti tocá-las, fiquei viciado de novo", ri Bartos. "Comprei um violão Martin D-28 e toco todos os dias, além de piano."

"Para mim, a música é como respirar. É um reflexo. Claro, há coisas que me tiram da música, como ir ao médico ou declarar impostos, mas ainda assim consigo me perder no som. Disciplina e vontade também são necessárias. Afinal, a música precisa ser produzida."

Ele também trabalhou com o OMD (Orchestral Manoeuvres in the Dark). Quando Paul Humphreys estava fora da banda, Andy McCluskey contatou Bartos para colaborar numa versão de Neon Lights, do Kraftwerk.

Ele e Andy escreveram duas músicas para o álbum Universal (1996) e outras duas para o primeiro álbum solo de Karl pós-Kraftwerk, Esperanto, lançado sob o nome Electric Music, em 1993.

"Fico muito feliz que o OMD esteja indo bem", diz Bartos. *"Eles são uma instituição, e eu trabalharia com eles novamente. Conhecê-los, assim como ao Electronic, depois do fim do Kraftwerk, me fez pensar: ‘Wunderbar! Não estou sozinho.’"

O LEGADO DE UM PIONEIRO HUMANO

Inicialmente relutante em lançar músicas em seu próprio nome, Karl lançou um segundo álbum como Electric Music em 1998. O disco é brilhante — uma fusão de guitarra e eletrônico que captura o entusiasmo devolvido a ele por suas colaborações britânicas.

Ele abre com The Young Urban Professional, uma música escrita originalmente durante a gravação de Techno Pop em Nova York, inspirada no fenômeno dos yuppies. É praticamente o Kraftwerk flertando com o rap.

"Não é fácil pra mim lembrar tantas palavras como nessa música", admite Karl. "Sempre tento pensar numa história e criar uma metáfora. Tudo se resume à redução, chegar ao ponto. Para mim, rap é um poema recitado em padrões rítmicos regulares, conhecidos como grupos de pulso."

Com a confiança para trabalhar em seu próprio nome, vieram os álbuns Communication e Off The Record. Communication mantém a paixão do projeto Electric Music, um álbum provocante, levemente sinistro, repleto de ideias e riffs insistentes.

Off The Record foi montado a partir de peças não lançadas que Karl compôs ao longo das décadas:

"Sempre trabalho com músicas ‘antigas’. Se você não tem um parceiro de composição, essa é a única maneira de avaliar ideias objetivamente."

Atualmente, Karl trabalha em uma peça clássica, prevista para lançamento em 2023, que ele descreve como: "Música para orquestra sinfônica sintética, em um ambiente eletroacústico."

Ele também está determinado a "tocar mais Bach no piano novamente, embora eu não seja um bom pianista. Mas é música imortal."

Se as relações na antiga banda se deterioraram, Karl reconhece que, no seu auge, o Kraftwerk também fez música imortal.

"O que me frustra é que não seguimos tentando tocar juntos. Por isso foi tão difícil para mim falar sobre o Kraftwerk por tanto tempo. O Kraftwerk ainda parece, para mim, um acorde não resolvido, uma trilha dourada perdida."

Desde que ouviu A Hard Day’s Night, Karl sempre buscou fazer música que soasse como os Beatles — criando conversas e contrapontos que ressoam por gerações de amantes da música eletrônica.

"Espero que minha música fale com as pessoas", reflete. "Não penso muito sobre isso. São meus pensamentos traduzidos em música. No Kraftwerk, alguns de nós só pensavam na recepção da música e em como podíamos ser mais bem-sucedidos. Acabamos limpando demais nossa arte e viramos homens de negócios digitais e curadores."

Karl completou 70 anos em maio de 2022.

"Penso muito no que vem depois", diz Bartos. "A vida é curta, e espero morrer com dignidade."

Se existir um além, Karl Bartos certamente estará lá, compondo música celestial e imortal — exatamente como tem feito há tantas décadas.

Ele talvez não pense tanto sobre isso, mas gerações de fãs de música continuarão agradecendo a esse pioneiro da música — um homem profundamente humano.

Fonte: Classic POP 

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Ralf Hütter — Entrevista — Rádio "Triple J" — 24 de janeiro de 2003

 




Rádio "Triple J" - Ralf Hütter - 24 de janeiro de 2003

Transmissão de rádio australiana


Esta entrevista de rádio está dividida em duas partes, 

Parte 1

JJJ: Os avanços tecnológicos ocorridos nos últimos 20, 30 anos facilitaram a atuação do Kraftwerk ao vivo?

Ralf Hütter: Sim, com certeza, porque agora temos nossos laptops e podemos viajar, onde antes, como você pode imaginar, nos anos 70 e 80, tínhamos todos esses enormes aparelhos de música analógicos. O Reino Unido e a Europa eram... (corta) ...autobahn, mas voar para a América ou vir para a Austrália era quase impossível.

JJJ: Isso restringiu o que você podia fazer e quanto?

Ralf Hütter: Sim, de certa forma, porque a Lufthansa não nos trouxe aqui de graça, então suas taxas de frete e...

JJJ: ...estavam muito caras...

Ralf Hütter: Sim. Mas agora podemos viajar e somos realmente muito móveis, e é por isso que estamos aqui.

JJJ: Você gostou de tocar ao vivo, porque há especulações entre seus fãs sobre se você realmente gosta de apresentações ao vivo?

Ralf Hütter: Sim, não fazemos muitos shows, mas é sempre um desafio e até agora os computadores têm funcionado muito bem, e... pequenas falhas aqui e ali, mas no geral eles têm sido muito amigáveis ​​conosco e nós temos sido amigáveis ​​com os computadores, então tudo está funcionando muito bem.

JJJ: Notei ontem à noite (Enmore Theatre, Sydney) apenas algumas falhas ao longo do caminho... e foi realmente surpreendente ver a reação do público, porque há especulações sobre o quanto da apresentação está sendo realmente tocada ao vivo no palco.

Ralf Hütter: É tudo ao vivo, os computadores estão funcionando ao vivo.

JJJ: Você se preocupa muito com esses erros quando acontecem?

Ralf Hütter: Não, mas sempre há o risco de um fracasso total, então teríamos que parar, fazer um breve discurso, recarregar e começar de novo.

JJJ: Isso é parte de uma ressurreição do Kraftwerk, se você preferir? Vocês têm estado muito quietos nos últimos quinze anos.

Ralf Hütter: Sim, temos trabalhado em nosso estúdio, gravando todas as nossas fitas analógicas muito antigas, do final dos anos 60, início dos anos 70, transferindo-as para o formato digital, então nos dedicamos bastante aos nossos sons originais do Kraftwerk. Agora também temos feito remasterizações, que provavelmente sairão ainda este ano, e temos criado todos esses arquivos de som para tocar com os sons originais do Kraftwerk ao vivo, e trabalhando neles.

JJJ: Muitos artistas gostam de seguir em frente. Eles não costumam gostar muito de seus primeiros trabalhos. Você gosta de ouvir o que criou há tantos anos?

Ralf Hütter: Sim, bem, não ouvimos muito, mas temos trabalhado na transferência dos sons e agora os apresentamos em nossas apresentações ao vivo.

JJJ: E quanto às novas músicas do Kraftwerk, há muito mais?

Ralf Hütter: Sim, estamos trabalhando em faixas diferentes e, quando fizermos mais shows nos festivais Big Day Out, voltaremos para a Alemanha, para o nosso estúdio em Kling Klang, e continuaremos trabalhando no próximo álbum.

JJJ: Quanto está concluído?

Ralf Hütter: Ah, 99%.

JJJ: Tão perto assim? Como está soando?

Ralf Hütter: No estilo do Kraftwerk.


Parte 2

Ralf Hütter: Em Düsseldorf, trabalhamos em nosso estúdio Kling Klang desde 1970, e as portas estão fechadas, e estamos fazendo o que temos que fazer. Nosso trabalho nos chama de "musikarbeiter"...

JJJ: ...que se traduz como...

Ralf Hütter: Trabalhadores da música... e é isso que fazemos.

JJJ: Vocês são muito isolados? Eu li... sem fax, sem telefone, sem contato...

Ralf Hütter: Sim, tudo isso seria perturbador.

JJJ: Então vocês se isolam o máximo possível?

Ralf Hütter: Sim, pelo trabalho, e depois saímos de novo, vamos a clubes, dançamos e viajamos, estamos trabalhando em todos os aspectos da criação do Kraftwerk, essa é a única coisa que fazemos, nunca conseguimos fazer outras coisas.

JJJ: Quando você e Florian trabalham em um ambiente tão intenso criando peças musicais que levariam... eles levariam talvez anos para criar?

Ralf Hütter: Sim, às vezes, e depois guardamos, ouvimos de novo e fazemos outras coisas...

JJJ: ...e depois mudamos um pouco...

Ralf Hütter: Sim.

JJJ: Deve ser muito revigorante finalmente sair do estúdio e levar isso para as pessoas.

Ralf Hütter: Com certeza, sim... Bem, nós... em primeiro lugar, somos músicos ao vivo.

JJJ: Porque você e Florian se conheceram no conservatório...

Ralf Hütter: Sim.

JJJ: Foi em Düsseldorf ou Colônia?

Ralf Hütter: Fora de Düsseldorf, havia alguns cursos de improvisação, então simplesmente nos juntamos e fizemos coisas. Em 1968. E então organizamos um grupo de músicos e, por volta de 1970, construímos nosso estúdio Kling Klang e o Kraftwerk, e a partir daí temos trabalhado o tempo todo, até agora.

JJJ: Você ouve muitos outros artistas em busca de inspiração?

Ralf Hütter: Bem, ouvimos música por todo o lado, ouvimos os sons do ambiente, ouvimos os aviões,

Ouvimos os carros, ouvimos as cidades, vamos a clubes, ouvimos quando estamos em festivais, então captamos as vibrações de todos os lugares. Nossos ouvidos são microfones.

JJJ: Sim. Bem, reproduzir a realidade é, eu acho... (corta) ... anos atrás você disse, esse ainda é o papel do Kraftwerk?

Ralf Hütter: Sim. Bem, nós nos baseamos em nossas experiências, como viajar pela Europa, é daí que vem o "Trans Europe Express", "Autobahn" vem de centenas de milhares de quilômetros na autobahn...

JJJ: ...e, claro, o "Tour de France".

Ralf Hütter: "Tour de France" vem da nossa experiência de ciclismo, e nós... a música tem sido a música oficial do Tour de France quando foi lançado.

JJJ: Algumas perguntas, porque há muitos fãs do Kraftwerk aqui. Robbie queria que eu te perguntasse sobre quando você ouviu "Planet Rock" do Afrika Bambaataa pela primeira vez, que sampleava bastante sua música dos anos 70...

Ralf Hütter: Não é sampleada, é reprisada.

JJJ: ...reprisada com os rappers por cima. Como você se sentiu quando isso, obviamente, passou para outra geração?

Ralf Hütter: Bem, já ouvíamos Bambaataa muitos anos antes. Nossa primeira experiência foi quando ele estava tocando "Trans Europe Express" e "Metal On Metal" em dois discos em uma boate, e eles estavam experimentando com dois toca-discos, e eles tinham duas prensagens, então ele estava fazendo isso, e a partir daí eu soube que havia coisas acontecendo, e então ele fez aquele disco de rap e "Trans Europe Express".

JJJ: Você achou emocionante?

Ralf Hütter: Sim, é um disco muito, muito bom.

JJJ: Sim, bem, é apenas uma geração e uma cultura completamente diferentes que estavam absorvendo sua música. Isso foi estranho para você?

Ralf Hütter: De certa forma, não, porque sempre fomos acusados ​​de que nossa música era fria, repetitiva, chata e muito mecanicista, e sempre achamos que havia alma nas máquinas, e então um dia, quando esses discos foram lançados, ficou provado que há alma nas músicas do Kraftwerk.

JJJ: E outra pergunta, só para finalizar... o futuro é algo que o Craig, que trabalha aqui, queria que eu te perguntasse. Quando você era pequeno, quando era jovem, você pensava muito sobre o futuro?

Ralf Hütter: Talvez pensássemos mais no presente, porque, morando na Alemanha, éramos a primeira geração do pós-guerra, e então havia um vazio cultural, que descobrimos na puberdade. Em primeiro lugar, houve um pequeno choque cultural, vivendo nesse vazio total, mas a partir daí surgiu uma oportunidade enorme, então pudemos inventar, criamos nossa própria cultura viva, a cultura cotidiana, que chamamos de "Alltagskultur", e essa foi uma oportunidade muito grande. Não havia uma grande cena de entretenimento ou cena musical, claro que havia a música clássica do século XIX, e havia uma cena de música eletrônica em torno das estações de rádio. Talvez essas combinações de situações nos tenham inspirado a criar nossa própria música. Eletrônica do dia a dia.

JJJ: Sim, bem, havia uma cena surgindo, mas foi uma reconstrução, não foi? ...de cultura e de ideias? Deve ter sido muito emocionante...

Ralf Hütter: Sim, foi uma oportunidade enorme naquela época.

JJJ: Você pensa muito no futuro agora. Tanta coisa aconteceu em 20 anos. O que você acha que vai acontecer nos próximos 20 anos?

Ralf Hütter: Ah, temos que ver, estar atentos, manter os olhos e ouvidos abertos, e veremos.

Entrevista com Richard Kingsmill - Sydney - Austrália

Transcrição de Peter Page - Sydney - Austrália

sábado, 24 de maio de 2025

Autobahn, o primeiro hit do Kraftwerk estreia nas paradas, 50 anos após seu lançamento

 


O primeiro hit do Kraftwerk estreia nas paradas, 50 anos após seu lançamento

Uma nova edição de "Autobahn" do Kraftwerk chega ao segundo lugar na parada oficial de singles de vinil, celebrando... 

50 anos atrás, o Kraftwerk conseguiu seu primeiro single de sucesso ao redor do mundo. O grupo eletrônico alemão mudaria o som da música popular e seria pioneiro em tecnologias e técnicas de composição que ninguém tinha ouvido antes.

Meio século depois que os músicos estouraram e começaram uma corrida impressionante nas paradas, o grupo está de volta ao Reino Unido. O Kraftwerk lança seu hit de sucesso, "Autobahn", em um trio de contagens do outro lado do Atlântico, enquanto os fãs retornam à música para celebrar seu aniversário especial.

"Autobahn" do Kraftwerk estreia nas paradas

"Autobahn" estreia em três classificações focadas em vendas neste quadro. Uma nova edição do single inicial do Kraftwerk foi lançada em meados de fevereiro, e os amantes de longa data da faixa e da banda correram para colocar as mãos em uma cópia.

O Kraftwerk quase marca seu primeiro hit nº 1 na parada oficial de singles de vinil esta semana. "Autobahn" entra em nº 2, perdendo a chance de comandar o show, já que "Let the Light Return" do Manic Street Preachers abre em primeiro lugar.

A mesma faixa vem apenas um espaço abaixo dessa posição elevada, em nº 3, na parada oficial de singles físicos. Essa contagem leva em conta todas as compras de faixas individuais em mídias físicas, não apenas cera. Nessa lista, o Manic Street Preachers também comanda o show, enquanto "People Watching" de Sam Fender sobe do nº 5 para o nº 2.

Olhando para a parada oficial de vendas de singles, "Autobahn" não chega tão alto, pois a competição foi acirrada. O sucesso de estreia do Kraftwerk começa na 18ª posição na lista das músicas mais vendidas em todo o Reino Unido.

História do Kraftwerk nas paradas

Apesar de décadas na indústria musical e uma série de grandes vitórias, o Kraftwerk ganha seu primeiro hit em todas as três paradas neste quadro. Essas listas não existiam durante os primeiros dias da banda, mas alguns seguidores de longa data ainda podem se surpreender ao descobrir que, antes de agora, os músicos nunca haviam se classificado em nenhuma dessas listas centradas em compras.

A edição recém-lançada de "Autobahn" é apenas o começo de um ano emocionante para o Kraftwerk. Uma edição comemorativa do quinquagésimo aniversário do álbum homônimo da banda deve ser lançada em março, quando também poderá se tornar um sucesso de vendas novamente.


Fonte Forbes

quinta-feira, 22 de maio de 2025

David Bowie (1947 - 2016) — Como Berlim e Kraftwerk Impactaram David Bowie — Uncut Magazine — 1995

 





David Bowie à revista Uncut, em 1995, focando em suas influência sobre Kraftwerk:

Uncut: Muitos motivos foram sugeridos para sua mudança para Berlim: a cena local de arte e música, escapar da supercelebridade, uma desintoxicação espiritual e física — além da estimulação criativa de estar numa cidade dividida, isolada e tensa. Essas teorias são precisas? Você se lembra por que a cidade te atraiu?

David Bowie: A vida em Los Angeles havia me deixado com um senso esmagador de pressentimento. Eu cheguei à beira de um colapso induzido por drogas muitas vezes, e era essencial tomar algum tipo de atitude positiva. Durante muitos anos, Berlim me atraiu como uma espécie de santuário. Era uma das poucas cidades onde eu podia circular praticamente anônimo. Eu estava ficando falido, era barato viver lá. Por algum motivo, os berlinenses simplesmente não ligavam. Bom, pelo menos não para um cantor de rock inglês. Desde a adolescência, eu era obcecado com o trabalho carregado de “angst” dos expressionistas, tanto artistas quanto cineastas, e Berlim era o lar espiritual deles. Era o núcleo do movimento Die Brücke, de Max Reinhardt, Brecht, e onde Metrópolis e O Gabinete do Dr. Caligari haviam nascido. Era uma forma de arte que refletia a vida não por eventos, mas por estado de espírito. E era isso que eu sentia que meu trabalho estava se tornando.

Minha atenção voltou-se novamente para a Europa com o lançamento de Autobahn, do Kraftwerk, em 1974. A predominância de instrumentos eletrônicos me convenceu de que esse era um campo que eu precisava explorar um pouco mais. Muito se falou sobre a influência do Kraftwerk em nossos álbuns de Berlim. Na maioria das vezes, acho que são análises preguiçosas. A abordagem musical do Kraftwerk, em si, pouco tinha a ver com o que eu fazia. A deles era uma série controlada, robótica e extremamente medida de composições — quase uma paródia do minimalismo. Tinha-se a sensação de que Florian e Ralf estavam totalmente no controle de seu ambiente, e que suas composições eram bem preparadas e refinadas antes de entrar no estúdio.

Meu trabalho tendia a ser peças de humor expressionista, com o protagonista (eu mesmo) se entregando ao zeitgeist, com pouco ou nenhum controle sobre sua vida. A música era, na maior parte, espontânea e criada no estúdio. Em substância também, éramos polos opostos. A percussão do Kraftwerk era produzida eletronicamente, rígida no tempo, imutável. A nossa era o tratamento distorcido de um baterista extremamente emotivo, Dennis Davis. O tempo não apenas "mudava", mas era expressado de maneira mais que “humana”. O Kraftwerk sustentava aquele ritmo inflexível com fontes de som totalmente sintéticas. Nós usávamos uma banda de rhythm’n’blues. Desde Station to Station, a hibridização de rhythm’n’blues com eletrônica era um objetivo meu. Aliás, segundo uma entrevista dos anos 70 com Brian Eno, foi isso que o atraiu a trabalhar comigo.

Outra observação preguiçosa que gostaria de destacar é a suposição de que Station to Station era uma homenagem a Trans-Europe Express, do Kraftwerk. Na verdade, Station to Station precedeu Trans-Europe Express em um bom tempo — 76 e 77, respectivamente. A propósito, o título vem das Estações da Cruz e não do sistema ferroviário. O que me fascinava no Kraftwerk era a determinação singular deles em se afastar das sequências de acordes americanas estereotipadas e sua entrega completa a uma sensibilidade europeia expressa através da música. Essa foi a grande influência deles em mim.

Um detalhe interessante: meu primeiro nome na lista de desejos para guitarrista em Low era Michael Rother, do Neu!. O Neu!, por sinal, era apaixonado, até diametralmente oposto ao Kraftwerk. Liguei para o Rother da França nos primeiros dias de gravação, mas de forma muito educada e diplomática, ele disse “não”.

Uncut: Alguns biógrafos especulam que a era de Berlim foi uma reação instintiva ao espírito do punk rock da metade dos anos 70 — visual despojado, direto, sério, carregado de pessimismo, emocionalmente cru. Uma teoria plausível?

David Bowie: Seja por causa do meu cérebro confuso ou da pouca repercussão do punk inglês nos EUA, o movimento praticamente já tinha acabado quando entrou no meu radar. Passou completamente por mim. As poucas bandas punk que vi em Berlim me pareciam uma espécie de pós-1969 Iggy, e parecia que ele já tinha feito tudo aquilo. Embora eu me arrependa de não ter estado presente em todo o circo dos Pistols, porque esse tipo de entretenimento teria feito mais pela minha disposição depressiva do que quase qualquer outra coisa que consigo imaginar. Claro, conheci eles bem cedo quando estava em turnê com o Iggy — pelo menos o Johnny e o Sid. John obviamente estava bastante impressionado com o Jim [Iggy], mas quando encontrei Sid, ele estava quase catatônico, e me senti muito mal por ele. Era tão jovem e precisava muito de ajuda.

Quanto à música, Low e seus irmãos são uma continuação direta da faixa-título de Station to Station. Sempre me pareceu que há uma faixa em qualquer álbum meu que já indica o rumo do álbum seguinte.

Uncut: Existiu algum plano sério de gravar com o Kraftwerk, como alguns biógrafos afirmam?

David Bowie: Não, em nenhum momento. Nós nos encontramos socialmente algumas vezes, mas foi só isso.

Uncut: Você realmente percorria as autobahns ouvindo Autobahn sem parar, como Ralf Hütter certa vez insistiu?

David Bowie: Certamente pelas ruas de Los Angeles em 1975, sim. Mas na autobahn de Berlim, Autobahn já era notícia velha. Então, resumindo, não…

Uncut: Houve encontros ou planos de colaboração com outras bandas do Krautrock, como Cluster, Neu! ou Tangerine Dream?

David Bowie: Nada disso. Conhecia Edgar Froese e sua esposa socialmente, mas nunca conheci os outros, pois não tinha real interesse em ir para Düsseldorf — eu estava muito focado no que precisava fazer no estúdio em Berlim. Tomei para mim a tarefa de apresentar o som de Düsseldorf ao Eno, com o qual ele ficou muito impressionado — Conny Plank e companhia (e também ao Devo, aliás, que por sua vez foi apresentado a mim pelo Iggy). E o Brian acabou indo para lá gravar com alguns deles.

Uncut: “V-2 Schneider” (do álbum "Heroes") é uma homenagem ao Florian?

David Bowie: Claro.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Pascal Bussy — Entrevista - Autor do livro "Kraftwerk: Man, Machine and Music" — 1995

 






O FUTURO PASSADO

A ENTREVISTA COM PASCAL BUSSY – SETEMBRO DE 1995

Durante vários anos após sua publicação em 1993, a biografia do Kraftwerk escrita por Pascal Bussy, Man, Machine and Music, permaneceu como o único livro dedicado exclusivamente a documentar a história da banda. Além da edição britânica, o livro também foi publicado em edições alemã, japonesa e francesa. Até agora, havia poucas informações sobre Pascal Bussy, o homem por trás da biografia, e sobre os motivos que o levaram a escrever o livro. As perguntas desta entrevista foram sugeridas por vários leitores e colaboradores regulares do fanzine.

Publicado originalmente em Aktivität 8 – Agosto de 1996.

O que veio primeiro – a ideia de escrever um livro sobre o Kraftwerk ou isso foi sugerido como um projeto viável, depois de você ter escrito o livro sobre o Can, pela editora SAF?

Eu já tinha essa ideia há muito tempo, mas nós (a SAF e eu) realmente decidimos fazê-lo logo após o show no Brixton Academy em Londres, em julho de 1991. Ficamos completamente impactados pelo poder da música e do show deles!”

Falando por alto, quanto tempo levou para escrever o livro?

“Dois anos.”

Era um projeto que você tinha em mente há algum tempo ou começou tudo do zero?

“Eu queria fazer isso desde que realizei minha primeira entrevista com Ralf Hütter, em 1983. Ele era tão misterioso. Eu queria penetrar esse mistério…”

Qual foi a reação do Kraftwerk à sua sugestão inicial de escrever um livro sobre eles?

“(Em Lyon, França, no dia 5 de novembro de 1991, foi basicamente assim...)
Florian Schneider: ‘Por que você quer fazer um livro sobre nós? A música está aí. Isso já basta.’
Ralf Hütter: ‘Um livro? Sim... Não...’”

Seu livro sobre o Can, publicado pela SAF, teve alguma influência sobre o livro do Kraftwerk? Pontos de referência semelhantes, influências etc.?

“Exceto pelo fato de que ambos pertenciam à mesma cena de vanguarda e eram alemães, não muito. E foi uma experiência completamente diferente. O pessoal do Can foi muito colaborativo. Os ‘gêmeos Kraftwerk’ foram muito pouco colaborativos.”

Há outras bandas sobre as quais você gostaria de escrever no futuro?

“Artistas como Philip Glass, Yoko Ono, LaMonte Young. Bandas como Soft Machine, Gong. E também um livro sobre a importância da música nos filmes de Wim Wenders.”

Qual foi a principal razão para você escolher escrever um livro sobre o Kraftwerk?

“Duas razões principais:

  1. Eles eram uma das raríssimas bandas que ainda não tinham um livro sobre si e que realmente mereciam um.

  2. Era um desafio.”

A julgar pela nota do autor no início do livro, parece que escrever o livro foi mais difícil do que você imaginava inicialmente. Como você entrevistou as pessoas para o livro? Dependia do consentimento do próprio Kraftwerk para que associados, como Maxime Schmitt, Rupert Perry e outros, falassem com você? Você teve que recorrer a métodos sorrateiros?!

“Foi difícil porque não tive nenhuma ajuda do Ralf Hütter ou do Florian Schneider. Mas tive muita sorte de estar em Paris, que obviamente é uma cidade-chave para eles. Foi fácil começar minhas investigações por lá. Quero dizer, com as pessoas que estiveram próximas deles nos anos 70/80. Em segundo lugar, por estar na indústria musical há quase vinte anos… é realmente um mundo pequeno, e de repente você percebe que um amigo seu conhece o pessoal do Front 242, que outro pode te contar uma história engraçada, que alguém com quem você lida por motivos profissionais tem uma conexão com William Orbit. Sabe, esse tipo de coisa...”

As fotografias usadas no livro eram muito boas, bem mais interessantes do que as fotos de divulgação habituais do Kraftwerk. Foi difícil conseguir permissão para usá-las?

“Isso fez parte da investigação geral, e algumas delas foram encontradas puramente por acaso – como a foto de um dos primeiros shows.”

Foi fácil ou difícil conseguir acesso aos membros da banda para entrevistas? Eles foram receptivos ao projeto do livro ou mais cautelosos? Florian Schneider, por exemplo, tem sido extremamente relutante em conceder entrevistas desde os anos 70, e sabe-se que ele disse a alguns fãs que não foi entrevistado para seu livro, alegando que tudo foi inventado. Você entende essa atitude?

“Foi fácil conseguir a entrevista com o Ralf Hütter em Lyon, em 1991, mas ele não apoiou o projeto do livro. A entrevista com o Florian Schneider aconteceu realmente por acaso. Foi depois do show. O concerto tinha sido bom, Florian estava feliz. Ele estava gripado e foi até o salão depois do show para procurar um lenço de papel! Um grupo de fãs estava lá, ele começou a conversar com eles, chegou até a autografar alguns discos do Kraftwerk. Ele estava de muito bom humor. Aí fui até ele, pedi uma entrevista e conversamos por 30/45 minutos.”

A opinião do Kraftwerk sobre o livro mudou após a publicação?

"Basicamente, eles não gostam do livro. Mas tenho a impressão de que eles não estão dispostos a gostar de nenhum livro escrito sobre eles..."

Há pouco espaço para as opiniões de Wolfgang Flür no seu livro. Você acha que isso se deve ao fato de ele não querer expor seu lado da história do Kraftwerk, ou porque ele já planejava escrever seu próprio livro e, portanto, não queria 'jogar seu trunfo' antes da hora, por assim dizer?

"Wolfgang Flür definitivamente tinha (ou pelo menos quando o encontrei em Düsseldorf) planos de escrever seu próprio livro. Por isso ele estava tão relutante em falar comigo — o que eu compreendo completamente, embora eu realmente não saiba quando seu livro será publicado — nem mesmo se está terminado..."
Uma parte do livro que, a julgar pelos comentários dos leitores da Aktivität, foi um pouco decepcionante foi o período em torno do álbum inédito Technopop. Antes do lançamento do livro, havia uma grande expectativa de que tudo seria revelado! Entre os fãs, esse LP é uma espécie de ‘Santo Graal’...

"Eu disse tudo o que pude dizer no livro sobre esse assunto. Realmente não posso dizer mais..."

Quão dispostos estavam os membros do Kraftwerk a falar sobre esse projeto? Eles parecem desconfortáveis com a ênfase dada a esse período da história deles, e por isso evitam entrar em detalhes sobre o assunto?

"Eles estavam mais misteriosos do que nunca. Tão misteriosos que, em determinado momento, tive a impressão de que esse álbum nunca existiu de verdade!"

Ainda sobre Technopop: você acha que esse LP adquiriu uma importância muito maior do que realmente tem? Ele seria apenas a ponta do iceberg, um projeto entre muitos que acabaram engavetados? Certamente há rumores de que materiais foram destruídos (o que Ralf Hütter confirmou em ao menos uma entrevista) e Karl Bartos também mencionou o assunto (ele chegou a dizer que há ‘quilômetros’ de fitas inéditas no Kling Klang).

"Acho que o mais triste sobre o Kraftwerk é que eles frequentemente não foram capazes de completar seus trabalhos e/ou materializar suas ideias. Isso vai desde fitas não lançadas até álbuns inacabados, e também inclui alguns de seus sonhos (como os shows com robôs via satélite) e até absurdos de marketing (a turnê inacabada de 91/92, o CD de Tour de France nunca lançado, o fato de se recusarem a lançar os três primeiros álbuns em CD — o que abriu caminho para os bootlegs etc.).

Desde o começo da banda, o Kraftwerk sempre esteve em processo de fazer um novo álbum, gravando, mixando etc. De certa forma, podemos considerar que somos muito sortudos por eles terem lançado tantos álbuns!"

Nos anos 1970, o padrão de trabalho do Kraftwerk era lançar um LP com certa regularidade, mas desde The Man-Machine em 1978, os lançamentos ficaram cada vez mais espaçados. Em Computer World, o motivo do atraso foi a modernização do estúdio — algo que parece ter virado uma desculpa padrão, já que também foi mencionado nas entrevistas sobre Electric Café e The Mix. Na sua visão, essa é mesmo uma razão significativa para o ritmo lento de trabalho do Kraftwerk, ou há outras razões menos divulgadas?

"Na minha opinião, as explicações básicas para esse ritmo lento de trabalho são muito simples:

  1. Eles são perfeccionistas demais, nunca estão completamente satisfeitos com seu trabalho;

  2. Eles são... muito preguiçosos!

  3. Nunca tiveram a pressão financeira (ao contrário de quase todas as bandas ativas do mundo) de serem obrigados a lançar um álbum novo todo ano.

Um aspecto bastante singular do Kraftwerk é a disposição de traduzir músicas para diferentes idiomas. Quão apaixonados os membros da banda são por esse tema? Considerando a mistura de idiomas — às vezes vários em uma mesma música (como em Technopop) — você imagina que lançamentos futuros virão em uma edição ‘universal’, com as músicas alternando entre os idiomas disponíveis?

"Acho que esses idiomas são mais uma espécie de brincadeira, como um tipo de gadget. Não afetam tanto a música assim. A força e o poder do Kraftwerk não vêm disso, mesmo que os fãs japoneses e franceses certamente fiquem muito felizes por suas línguas nativas serem usadas por Ralf Hütter de vez em quando. E também acredito que a universalidade do trabalho deles vem da música — os diferentes idiomas apenas adicionam um certo sabor, mas a base de tudo é a música."

Você tem alguma teoria sobre por que o Kraftwerk continua fazendo shows ao vivo? Parece contraditório; seu livro documenta bem que os membros não gostam muito desse aspecto... e ainda assim continuam. Tocar ao vivo ainda é uma parte importante de ser o Kraftwerk?

"Florian Schneider claramente odeia fazer turnês. Para Ralf Hütter, acho que é um pouco diferente — para ele, a turnê deve ser uma espécie de desafio, talvez uma forma de provar que o Kraftwerk ainda está vivo... Mas por outro lado, pode ser uma experiência difícil para ele, lidando com questões técnicas (você certamente já notou que problemas técnicos ocorrem com frequência nos shows), além de ser forçado a interagir com a gravadora, jornalistas etc... um verdadeiro pesadelo!"

Você ficou satisfeito com o livro finalizado? Ele respondeu ao que você pretendia alcançar desde o início?

"Sim, fiquei satisfeito. Pelo menos acho que o livro resume todos os fatos históricos e até vai um pouco além."

Houve partes que precisaram ser deixadas de fora, por falta de informação ou outros motivos?

"Sim, eu (e Mick Fish) deixamos algumas coisas de fora apenas para garantir que o livro não causasse problemas pessoais a ninguém — pessoas que falaram comigo, Ralf Hütter e Florian Schneider, ex-integrantes da banda."

Analisando entrevistas antigas do Kraftwerk à imprensa musical, parece que Ralf Hütter frequentemente desvia de perguntas específicas ou dá respostas meio vagas e superficiais. Você teve dificuldade para obter as respostas que esperava ao entrevistá-los? Houve temas que permaneceram impenetráveis?

"Com eles, toda pergunta parece ser um problema... e sim, às vezes foi muito difícil." 

Na sua opinião, o enigma que cerca o Kraftwerk é cuidadosamente cultivado ou eles realmente são espíritos livres, com pouca ou nenhuma preocupação com as normas da indústria musical? A ideia deles serem operários musicais, aparecendo no Kling Klang todos os dias, parece boa — mas há tão pouco resultado concreto disso...

"Já respondi mais ou menos essa pergunta antes. Mas posso acrescentar algo — sinto que, de certa forma, Ralf Hütter e Florian Schneider se tornaram prisioneiros da imagem do Kraftwerk."


Acredito que hoje você trabalha no selo WEA, em Paris, cuidando especialmente dos lançamentos de jazz?

"Sim, sou responsável pelo departamento de jazz da Warner na WEA em Paris. Para mim, a música sempre foi algo global. Sempre me interessei por rock, pop, música contemporânea, clássica, jazz, música étnica etc. Na fase da vida em que estou (estou prestes a entrar nos 40), o jazz é uma área mais confortável para se trabalhar do que o pop/rock. O mundo do jazz é muito mais ‘inteligente’ do que o do pop, menos histérico e frequentemente mais criativo também."

O livro sobre o Kraftwerk é agora um assunto encerrado para você, ou você continua acompanhando suas atividades desde a publicação, talvez com a ideia de expandir o livro no futuro?

"Sim, ainda estou muito interessado no Kraftwerk e pode ser que algum dia uma edição aumentada do livro veja a luz do dia."

Por fim, há alguma pergunta que você gostaria de responder e que não foi feita?

"Apenas um ponto. Ouvi dizer por várias fontes que Ralf Hütter e Florian Schneider alegaram nunca terem falado comigo, e que tudo o que é atribuído a eles no livro seria falso. Na verdade, disseram que nunca me conheceram.

Isso é, claro, completamente falso. Por isso todas as fontes de todas as citações (entrevistas) estão cuidadosamente listadas no final do livro. E as fitas dessas entrevistas estão guardadas em algum lugar (dois conjuntos de DATs em dois locais diferentes), caso algo precise ser provado oficialmente.

Um ponto de última hora: sempre tive um enorme respeito pelo Kraftwerk como inovadores musicais. Ainda tenho esse respeito, mesmo que o modo pouco colaborativo deles tenha sido difícil de lidar às vezes. Mas sei que essa atitude faz parte da imagem deles. Posso até dizer que, se eles tivessem sido colaborativos, não seriam o Kraftwerk. Então... tudo bem."

Em nome da Aktivität, gostaria de agradecer a Pascal por dedicar seu tempo para responder a essas perguntas e também a Mick Fish, da SAF, por ajudar a tornar isso possível. — IC

Fonte: Aktivitaet-Fanzine



Kraftwerk: Man, Machine and Music (1993)

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Kraftwerk — Entrevista com os integrantes — Future Music Magazine N° 6 — 1997


Future MusicQual foi o desenvolvimento tecnológico mais significativo da sua carreira?

Ralf Hütter – Acho que foi a chegada dos primeiros sintetizadores monofônicos, porque antes disso só existiam aquelas grandes máquinas dos Laboratórios Bell ou de estações de rádio estatais. Ter acesso, como músico individual e independente, a esse tipo de equipamento eletrônico foi uma revolução. Lembro que o primeiro sintetizador monofônico que comprei custava o mesmo que um Fusca, e essa era a escolha a ser feita. Acho que é uma comparação excelente, porque os sintetizadores deram liberdade de movimento aos músicos.

Future Music – Essas máquinas oferecem mais liberdade do que as de hoje por não terem presets?

Ralf Hütter – Sim. Você recebia apenas um manual datilografado de três páginas dizendo: “isso é o oscilador, isso é o filtro” – e só. Então você ia pra casa e começava a experimentar, girar botões. Não havia sons pré-programados, porque era tudo analógico. Eu não uso muito os sons pré-programados de hoje em dia; se usamos, sempre trabalhamos em cima deles. Raramente mantemos algo que veio do ouvido de outra pessoa. Sempre giramos os botões – essa tem sido nossa prioridade constante. Também costumávamos projetar nossos próprios sintetizadores e, naquela época, tínhamos que construir sequenciadores porque eram raros. Só os grandes sistemas Moog os tinham. Pegávamos caixas de ritmos e as redesenhávamos com nossos engenheiros e eletricistas para torná-las tocáveis, ajustando-as aos sequenciadores e depois sincronizando tudo com fita.

Future Music – Como o Kraftwerk consegue transferir sua música para o formato ao vivo?

Ralf Hütter – Não é pré-gravado, está tudo em armazenamento digital. Não usamos fitas, tudo roda a partir de computadores. Podemos alterar o quanto quisermos: cortar faixas, mutar, dobrar... Temos acesso completo. Podemos deixar qualquer faixa mais longa, de acordo com o show. Certas partes são escritas, mas algumas composições começam em um ponto e ficam totalmente abertas, com a programação entrando em um loop. Podemos fazer o que quisermos. Todas as composições (com exceção de The Robots) são escritas como sequências básicas.

Future Music – Você se surpreende com o quanto influenciaram a música dance americana?

Ralf Hütter – Sim, mas sempre tivemos uma resposta muito favorável do público negro nos EUA, mesmo antes do house e do techno. Lembro que alguém nos levou a um clube por volta de 1976 ou 1977, quando Trans-Europe Express havia saído. Era um loft em Nova York, depois do horário, justamente quando a cultura dos DJs estava nascendo e eles começaram a fazer seus próprios discos e grooves. Um DJ estava tocando trechos de Metal on Metal do Trans-Europe Express, e pensei: “Ah, estão tocando o novo álbum.” Mas aquilo durou uns 10 minutos! E pensei: “O que está acontecendo?!” A faixa original tinha só uns dois ou três minutos! Depois perguntei ao DJ e ele me disse que tinha duas cópias do disco e estava mixando as duas – e claro, podia continuar enquanto as pessoas dançassem. Isso foi um verdadeiro avanço, porque naquela época você tinha que fixar um tempo máximo por lado do disco, menos de 20 minutos, para que coubesse no vinil. Era uma decisão tecnológica que definia a duração da música. Sempre tocamos com durações diferentes ao vivo, mas ali estávamos, num clube alternativo, com a gravação rolando por 10, 20 minutos – e a vibração estava lá.

Future Music – E como os outros ex-integrantes veem a influência duradoura do Kraftwerk?

Karl Bartos – Não sei. Eu faço música, seja ela boa ou não tão boa. Faço o meu melhor e deixo o público decidir. Se Andy, Johnny ou Bernard dizem isso sobre nós [neste caso, OMD e Electronic elogiando o Kraftwerk – Ed.], é muito lisonjeiro. Tenho orgulho do que fizemos, mas sempre que posso gosto de improvisar, me comunicar. Quero encontrar pessoas, não ficar num estúdio atemporal ou numa torre de marfim – já fiz isso por 15 anos!

Wolfgang Flür – Talvez seja verdade que fomos algum tipo de ponto de referência na música eletrônica...

Future Music – E quanto ao estúdio Kling Klang? Como ele mudou?

Ralf Hütter – Nós o chamamos de jardim eletrônico, porque ele está sempre se regenerando e agora é completamente modular, de forma que podemos trocar e substituir módulos conforme quisermos. Mantivemos todos os nossos sintetizadores antigos guardados e, embora tenham perdido valor quando foram superados, hoje temos todos esses equipamentos analógicos de volta! É realmente muito bom. Mudar para o digital de forma alguma substituiu o analógico, especialmente porque, muitas vezes, a tecnologia digital é usada apenas para amostrar fontes analógicas – seja remasterizando sons antigos das fitas originais ou de outras fontes sonoras. Sempre consideramos qualquer fonte de som – é apenas som. Kling Klang significa “som” em alemão, então sempre tivemos essa fascinação por som. 

PS: As entrevistas foram feitas separadamente =)

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Ralf Hütter — Entrevista Musik Express — Maio — 1981

 


Musik Express Magazine - Ralf Hütter - Maio de 1981 (Versão Alemã)

Musik Express – Exatamente três anos atrás vocês lançaram Mensch Maschine. O novo álbum, pelo qual tivemos que esperar tanto, se chama Computerwelt. Com certeza vocês não escolheram esse tema por acaso, certo?

Ralf Hütter – Nós trabalhamos constantemente. Não nos vemos como músicos que têm uma grande ideia de repente e dizem “é isso!”. Nós nos vemos como operários da música. É por isso que temos este estúdio, o Kling Klang Studio, onde trabalhamos todos os dias há mais de dez anos. Pensamentos e ideias desempenham um certo papel, mas nós não apenas compomos e tocamos, também criamos nossa própria tecnologia com a ajuda de engenheiros. 

Nós nos vemos como uma equipe produtiva que não faz apenas música, mas também tecnologia, filmes em vídeo e outras coisas. Chamamos isso de "música total". Não se trata apenas de sons, isso se manifesta em um estilo de vida eletrônico. Em todas as áreas da vida nos confrontamos com isso. 

Em algum ponto a música surge disso inevitavelmente — e soa assim, e não de outro jeito. É assim quando se passa o dia todo lidando com esses aparelhos eletrônicos e o realismo da época atual. Para nós é claro: só pode soar assim. Para nós, 1980/81 só pode soar como Computerwelt. É como uma máquina do tempo, da qual sai o resultado do que captamos com nossos sentidos e processamos. É o resultado inevitável do nosso trabalho de pesquisa. 

A ideia criativa é apenas um elemento. Com gravação magnética e vídeo, você pode se pesquisar psicologicamente. E se for honesto, percebe de quantas pequenas partes tudo se compõe. O fator tempo não pode ser definido por nós. Por isso Computerwelt levou tanto tempo.

Musik ExpressComputerwelt, à primeira audição, soa simples. No bom sentido. Isso significa que nossa vida é simples?

Ralf Hütter – Não, eu não acho. A vida não é simples. Mas gostamos de concentração. Gostamos de linhas retas. Kraftwerk representa algo bastante direto, que fazemos há anos. Não somos muito flexíveis...

Musik Express – ...vocês ficaram parados no tempo...

Ralf Hütter – ...quero dizer, seguimos em frente, em linha reta. Para nós parece que evoluímos. Queremos tocar nossa música de forma direta, sem enfeites, porque sabemos que isso é o mais difícil. E para nós é o modo mais honesto de tocar.

Musik Express – Em certo sentido, isso vira uma música popular.

Ralf Hütter – Seria ótimo se conseguíssemos isso. Música popular eletrônica. Essa ideia também ronda nossos pensamentos, mas não depende de nós. Mas se houver algo na nossa música que se relacione com a situação de vida do ser humano de hoje — e que seja compreensível —, sentimos que fizemos nosso trabalho no nível certo. Trata-se de uma busca por verdade. 

De encontrar uma realidade para nós mesmos. Nos interessa o que está acontecendo conosco. Porque vivemos aqui e estamos constantemente expostos a esses estímulos. Chamamos este disco de Nova Objetividade.

Musik Express – Para mim ele soa muito positivo!

Ralf Hütter – Basicamente nosso modo de vida é positivo. Caso contrário, não faríamos isso. Dizer “o Reno está poluído” com cinismo, e por isso também jogar meu lixo nele — para nós isso significaria parar de trabalhar. Musicalmente, isso equivaleria a dizer que o mundo da música é um lixo musical.

Musik Express – Mas ele não é?

Ralf Hütter – Em grande parte é poluição acústica. Para nós está claro que a indústria musical, em sentido amplo, também polui o ambiente — assim como qualquer outro ramo da indústria. Eu acho que chegará um tempo — e para nós isso já é evidente — em que as pessoas vão perceber que não dá para queimar o cérebro com várias horas de qualquer coisa vinda do rádio. Porque isso nunca mais sai da cabeça! O que entra pelo subconsciente, fica. 

Hoje em dia se diz: “deixa o rádio ligado!”. Mas essa forma de poluição também terá consequências. Vivemos não só em um mundo de destruição física, de abuso, mas também de poluição mental — repleto de lixo acústico e visual. Isso deixa marcas. Se isso não parar, haverá danos mentais permanentes, talvez irreversíveis.

Musik Express – Isso exige que todos nós nos esforcemos para absorver as coisas de forma consciente e individual...

Ralf Hütter – ...sim, absorver conscientemente. Concentrar-se. Hoje em dia todo mundo tenta fazer seis coisas ao mesmo tempo...

Musik Express – ...e ainda se orgulha disso! Mas será que não deveríamos limitar as coisas que são lançadas no mercado? Ou isso também é perigoso?

Ralf Hütter – A única resposta possível é não reagir com cinismo dizendo “tanto faz, mais um disco de lixo no mercado”. Nós aprendemos que dá para criar algo a partir do nada. Em uma fita virgem você pode gravar algo... Quando se trabalha nisso, percebe como sua criatividade e força crescem. Só por meio da ação.

Musik Express – As letras dos seus discos também são reduzidas ao mínimo.

Ralf Hütter – Sim. São palavras-código, palavras-chave. Porque também não somos escritores. E acreditamos que na linguagem, na escrita, já se disse tudo. As pessoas só acreditam no que está escrito em preto e branco. Isso é Idade Média. Pode-se assistir a um filme, ouvir um disco. Imagens transportadas de forma visual e acústica. 

Nossa música não pode ser descrita com palavras, nem comprimida em palavras únicas. Por isso usamos palavras como sons, como impulsos de pensamento. E neste disco não precisávamos apenas da “soft ware”, ou seja, da música — também tivemos que criar parte da “hard ware”. Não dá para dizer: “vamos fazer essa música” — e tocar tudo numa flauta doce. Computerwelt não pode ser tocada em uma flauta.

Musik Express – Como Computerwelt se apresenta?

Ralf Hütter – Como realismo. Inicialmente sem julgamento de valor. Tentamos vê-la sem moral, porque acreditamos que hoje em dia não dá mais para se dar ao luxo de ter moral...

Musik Express – ...mas não surge uma nova moral a partir da Computerwelt tecnologizada?

Ralf Hütter – Mais a partir da percepção. Precisamos tornar nossa vida mais transparente. Há tanta coisa sendo encoberta. Ninguém deve perceber. Nossa vida é baseada em disfarce.

Musik Express – Os computadores, com sua capacidade de armazenamento e recuperação, contribuem significativamente para isso.

Ralf Hütter – Com certeza. Por isso os usamos. Acreditamos que se pode fazer outras coisas com computadores — mais transparentes. As atividades reprodutivas, com as quais grande parte da humanidade no mundo ocidental desperdiça tempo, podem ser substituídas. Para mais criatividade e produtividade — não no sentido de lucro — mas de uma vida mais produtiva. Atividades reprodutivas podem ser reduzidas. Nossa música não tem um alto valor de relaxamento. Ela é direta, dinâmica.

Musik Express – Então Computerwelt deve ser vista como extremamente política?

Ralf Hütter – Sim, bastante.

Musik Express – Como uma provocação...

Ralf Hütter – Especialmente na área em que atuamos. Há pessoas que são politicamente muito ativas, em público, o dia inteiro! Falam mil coisas — e quando estão sozinhas, em sua existência real, de repente se veem como cowboys. Para mim, a música é uma ciência que toca o mais privado, o mais íntimo da vida humana. Ela expressa as vibrações reais do ser humano como existência psíquica. Música é uma droga da verdade. A fita magnética é uma prova. Você pode fingir o que quiser — até o fingimento é perceptível. 

A revolução da vida precisa partir da existência privada. Há tanta besteira e barulho no mundo da mídia, mas sem consequência existencial. Tentamos alcançar isso. Se conseguiremos, não sei. Nosso pensamento é realizar isso de forma o mais radical possível. Se nossa música não tiver raízes no estilo de vida real, tudo não passa de conversa de bar. Assim vejo nossa consciência política. Que essa atitude radical se manifeste realmente na vida. 

O pensamento do “descartar”, do “desconsiderar”. Isso não funciona. Eu estou aqui e vivo tudo plenamente. No meio de tudo. Não criamos tabus. Vivemos em um mundo computacional — então fazemos uma música sobre isso.

Musik Express – A canção “Taschenrechner”...

Ralf Hütter – Tornou-se um objeto de direitos humanos. Dimensões que se tornam tangíveis. Nós brincamos com calculadoras de bolso e um mini órgão de brinquedo infantil. Inicialmente, não fazemos nossa música de forma racional. Nós experimentamos, improvisamos. Não podemos prever o que virá. É preciso estar aberto. Muitas vezes funcionamos como médiuns. 

As coisas vêm até nós, tornamo-nos meios. Cada um faz o que lhe é mais natural. Isso vem da convivência longa. Cada um conhece suas forças e fraquezas. Falamos pouco sobre as coisas. Armazenamento computadorizado. Sons armazenados quase para sempre. Livros eletrônicos. É com isso que lidamos. Não precisamos mais nos ocupar com coisas reprodutíveis...

Musik Express – Parecido com o que os jazzistas fazem: improvisar livremente sobre certos esquemas, ser criativo...

Ralf Hütter – Sim, tentamos manter as estruturas básicas simples para que não se precise focar tanto na técnica de tocar. Criar espaços onde se possa trabalhar livremente.

Musik Express – ... interiorizar mais, sem pensar em técnica, e expressar os sentimentos...

Ralf Hütter – ... graças ao computador, não precisamos nos preocupar se estamos tocando tudo certo. Um pianista clássico precisa praticar cinco ou seis horas por dia para manter a forma mecânica. Isso é uma piada. Ele está só repetindo. 

O computador, por outro lado, toca coisas que eram tecnicamente impossíveis até agora. (Aqui nossos pensamentos se dividem, porque por um lado acredito que não podemos viver sem tradições — então também precisamos do piano tradicional — e que, de acordo com nossos estados de espírito, podemos tocar uma sonata de Beethoven todos os dias de forma diferente — porque sentimos de maneira diferente, porque somos diferentes. — D. I.) Isso mostra que a outra direção — o antigo sistema de dominação — está ruindo. 

Certas estruturas de poder baseadas em formas físicas e mecânicas da sociedade entrarão em colapso com a era eletrônica que agora começa. Também os sistemas de pensamento — que são ainda piores que os físicos.

Musik Express – Qual papel o ser humano ainda terá nesse sistema? Qual é sua tarefa?

Ralf Hütter – Ele precisa encontrar uma nova identidade. A figura do homem dominante de hoje, como ele anda por aí, já virou um robô. Nós mesmos passamos por essas fases. Hoje trabalhamos de maneira totalmente diferente de alguns anos atrás. 

O pensamento da possibilidade. Pensar de imediato, dar prioridade ao pensamento. Grande parte da música atual me parece exercícios de ginástica. Alguém faz um solo de bateria. Um monte de músculos suando. Isso é uma piada! Uma forma de exercício físico. Eu entendi esse sistema. É preciso pensar em outras dimensões.

Musik Express – Isso significa que você rejeita a maioria do que acontece no mercado musical?

Ralf Hütter – Não rejeito, mas não tem nenhum significado para mim. Maravilhosa ginástica. O que não significa que o que eu faço seja melhor.

Musik Express – Mas às vezes eu quero ser tocado fisicamente por música rock forte, tradicional...

Ralf Hütter – Isso já não é possível para mim. Para mim isso é uma forma artística fascista. Onde alguém ou um grupo tenta dominar milhões de ouvintes.

Musik Express – Mas isso também acontece com vocês! Quando “Taschenrechner” toca nas discotecas!

Ralf Hütter – Isso é o meio. Mas esperamos que isso aconteça conosco em outra postura mental.

Musik Express – Um desejo piedoso. Tomara que você esteja certo. Mas quando era mais jovem, não pensava diferente, não ia a shows?

Ralf Hütter – Sim, não culpo as pessoas que hoje vão a shows pesados. Mas sim os que sabem o que estão fazendo. Os que propagam isso conscientemente. Os que querem exercer domínio. O mercado da música americana! Estou feliz que na Alemanha esteja acontecendo tanta coisa. Uma geração completamente nova — isso nos dá força.

Musik Express – Para o disco Mensch Maschine vocês queriam fazer uma turnê. A última foi em 1976. Não rolou em 1978. Por quê?

Ralf Hütter – Não conseguimos. Não queremos fazer nada pela metade. Tivemos a ideia do centro de controle computacional. Tivemos que desenvolvê-la até o fim. Agora está pronto e faremos uma turnê mundial. De final de abril até julho.

Musik Express – O que vocês vão tocar no palco, tecnicamente o que vai acontecer?

Ralf Hütter – Tocaremos obras coletadas. Conceitos em versões variadas. Não tocamos de forma reprodutiva, mas tudo conforme sentimos hoje.

Musik Express – Por que vocês fazem shows?

Ralf Hütter – Há uma forma de energia que surge quando pessoas se reúnem num lugar. Nós como baterias, que se carregam e descarregam. Correntes de energia se encontram, isso é importante para nós. Mas se você faz isso demais, perde a sensibilidade. 

Com esse excesso de estímulos, você é arremessado longe depois. Tocar no palco também é uma forma de se encontrar. Mas depois precisamos nos recentrar. Não precisamos de férias, voltamos a trabalhar no Kling Klang Studio.

Musik Express – Obrigado, Ralf, foi uma conversa muito interessante!

Entrevista por Dankmar Isleib – 1981