Entrevista com Ralf Hütter publicada na Keyboard Magazine em outubro de 1991:
Keyboard – Essa é sua primeira turnê em quase uma década. Por que agora?
Ralf Hütter – Bem, estivemos trabalhando no nosso estúdio Kling Klang, e agora está tudo digitalizado e nossos computadores estão funcionando. Levou um bom tempo para conseguirmos montar essa música. Pela primeira vez, agora conseguimos apresentá-la ao vivo da maneira como a ouvimos.
Keyboard – As músicas de The Mix não são remixes, estritamente falando. O press release da Elektra as chama de “reinvenções”.
Ralf Hütter – Não usamos mais fitas, tudo está armazenado digitalmente e controlado por computador. Usamos todo o nosso catálogo dos últimos 20 anos, sampleando os sons analógicos originais das fitas master de 16 canais. Escolhemos os sons que achamos únicos, ou insubstituíveis, ou talvez apenas em boa forma (risos), e outros nós mudamos ou alteramos. Estávamos interessados em usar sons originais antigos, de nossas velhas máquinas analógicas caseiras, adaptando tudo tecnicamente para os anos 90. É apenas uma mistura de sons sampleados dos masters antigos, além de novos sons eletrônicos completamente sintéticos. Tudo é remontado. Para nós, mixar é a forma de arte de fazer música hoje.
Keyboard – Vocês tiveram grande influência na música de dança americana, particularmente no techno de Detroit.
Ralf Hütter – Tocamos em Detroit em 1981, acho, e ficamos surpresos com a recepção calorosa do público das pistas de dança. Lembro que as pessoas ficaram surpresas por termos tantos fãs negros e latinos. Infelizmente, a turnê foi marcada muito espontaneamente, porque ninguém achava que haveria interesse, então tudo o que conseguimos fazer na época foi adicionar mais alguns shows e voar pelos EUA. Como viajávamos tão rápido, nunca conseguimos consolidar esse público negro ou latino. Simplesmente aconteceu. Ficamos muito surpresos na época. Antes, éramos vistos como uma banda muito europeia. Mas sempre houve um movimento disco forte na Europa, e sempre fomos fanáticos por dança, com nossas pequenas danças robóticas. Foi muito encorajador receber uma reação tão forte na América. Antes disso, o circuito do rock’n’roll sempre teve certa resistência à eletrônica. Estavam presos à fórmula da guitarra, enquanto o público das pistas era muito mais aberto aos sons modernos. Aí, em 1982, Afrika Bambaataa fez a versão dele de “Trans Europe Express”, que foi ótima — uma combinação muito boa do nosso tipo de música eletro com rap. É uma mistura de culturas diferentes, e sempre gostamos disso.
Keyboard – Foi por isso que decidiram refazer suas músicas antigas em estilo house em The Mix?
Ralf Hütter – Isso foi apenas um desenvolvimento natural da nossa música. Sempre tivemos essas bases de bateria eletrônica, mesmo antes da Roland TR-808 ganhar destaque, usando pequenas caixas de ritmo e gatilhos de bateria eletrônicos caseiros nos anos 70, quando trabalhávamos com um engenheiro que desenvolveu esses pads para que pudéssemos ser uma banda sem baterista. É só uma questão de tudo ter se unido.
Keyboard – Vocês falam com frequência sobre o interesse em ritmos — especificamente, ritmos de dança — mas seus ritmos não são exatamente o que a maioria chamaria de “funkados”. Como vocês conciliam essa fascinação por padrões staccato rígidos com o desejo declarado de criar grooves dançantes e funky?
Ralf Hütter – Para nós, máquinas são funky. Algumas geram loops rítmicos por acidente, outras são programadas para tocar uma batida. Nossa música é eletrônica, mas gostamos de pensar nela como música étnica da área industrial alemã — música folclórica industrial. Para nós, tem a ver com a fascinação por tudo ao nosso redor, tentando incorporar o ambiente industrial à nossa música. Vindo de uma formação clássica, ficamos bastante entediados com o passado e começamos a ouvir o presente. As máquinas, essas ferramentas para fazer música estavam ali, e pensamos: por que não usá-las? Nossa tradição aqui havia sido quebrada, bombardeada. De um lado havia a tradição antiga — música clássica, toda aquela música de marcha para a geração anterior. E do outro, as coisas modernas construídas depois da guerra.
Keyboard – Vocês tomaram algumas decisões interessantes em The Mix, uma das quais foi mudar “Autobahn” de um ritmo staccato reto para um groove em tercinas. O que motivou isso?
Ralf Hütter – Algumas dessas músicas estão conosco há muito tempo, e é assim que as temos tocado ao vivo. Mudamos as coisas de cidade para cidade, de país para país. Com “Autobahn”, às vezes dirigimos um pouco mais rápido, às vezes mais devagar, dependendo do limite de velocidade.
Keyboard – As buzinas de carro na seção do meio de “Autobahn” são sons sampleados ou aproximações analógicas?
Ralf Hütter – Em The Mix, elas foram sampleadas das fitas master originais de “Autobahn”. Não conseguimos recriá-las, pois tinham uma afinação especial, são acordes com trítonos, para soarem como buzinas de carro. Nunca conseguimos recapturar aquele som analógico — acho que foi feito num Moog ou num ARP — então apenas sampleamos os ruídos originais e usamos para criar algo chamado “hupenkonzert”. É uma expressão comum alemã que significa “concerto de buzinas” — em outras palavras, um engarrafamento, onde todos estão com raiva e buzinando. Então toquei um pequeno “hupenkonzert” ali. Usamos ruído branco para criar o som dos carros passando. Num trecho em que a letra diz, em alemão, “a estrada é uma fita cinza, com listras brancas e bordas verdes”, queríamos evocar a imagem do pneu cruzando essas listras brancas, então usamos uma explosão reversa de ruído branco.
Keyboard – Como foram criados os vocais distorcidos e subaquáticos dessa seção?
Ralf Hütter – Usamos um instrumento programável por computador que Florian construiu, chamado Robovox. Ele permite montar qualquer palavra a partir de fonemas pré-programados. É um coro mecânico, totalmente sintético. Queremos libertar a tecnologia para que ela fale por si só, e quando usamos o Robovox nessa música, é como se os carros estivessem falando com suas buzinas afinadas.
Keyboard – Você gostaria mesmo de viver num mundo em que todas as máquinas da sua vida, de eletrodomésticos a automóveis, falassem com você?
Ralf Hütter – Bem, elas já falam! Quando você abre os ouvidos, pode ouvir a música escondida no ambiente. É muito melhor do que ouvir só música, que é apenas ruído afinado, afinal. A paisagem industrial é fascinante. Mesmo as máquinas estão falando.
Keyboard – Quando você e Florian estudavam na Universidade de Düsseldorf, chegaram a ter contato com peças clássicas do século XX inspiradas na estética das máquinas, como a “Sinfonia das Máquinas” de Mossolov ou o “Ballet Mécanique” de Antheil?
Ralf Hütter – Claro, mas mais importante ainda, estávamos na região de Düsseldorf, que fica perto de Colônia, onde ficava o estúdio eletrônico usado por Stockhausen, e não tão longe dos estúdios franceses onde Pierre Boulez trabalhava. Era comum, desde bem jovens, ir ouvir Stockhausen. A cena artística e musical, especialmente a eletrônica, era bem acessível, havia vários programas de rádio com música eletrônica estranha. Então tínhamos acesso a tudo isso, fez parte da nossa formação, da nossa educação. Sempre nos consideramos a segunda geração de exploradores eletrônicos, depois de Stockhausen.
Keyboard – Por sua vez, vocês influenciaram fortemente o que se poderia chamar de terceira geração de artistas eletrônicos — como as bandas Visage, Depeche Mode, e também David Bowie em sua fase berlinense.
Ralf Hütter – Acho que influenciamos Bowie, pelo menos foi o que ele nos disse. Ele contou que, quando chegou à Alemanha, ouvia “Autobahn” o tempo todo no rádio do carro. Nos encontramos na Alemanha, quando ele procurava um lugar para trabalhar, e sugerimos que tentasse Berlim. Então fornecemos uma inspiração de certo tipo — uma espiritualidade eletrônica! Quanto aos artistas britânicos que você mencionou, fizemos várias turnês longas na Inglaterra, onde conhecemos alguns desses músicos em clubes. Para nós, foi maravilhoso ver esse tipo de interesse. Antes, sempre fomos considerados outsiders, e de repente estávamos por dentro.
Keyboard – Sua declaração na edição de março de 1982 da Keyboard, de que vocês fazem “música para alto-falantes”, é inquietantemente parecida com a observação de Joseph Goebbels de que os nazistas não teriam chegado ao poder sem o alto-falante. Existe um perigo inerente nesse seu fetichismo tecnológico?
Ralf Hütter – Bem, isso sempre existiu, desde a invenção da faca, que pode ser usada para fatiar pão ou matar seu vizinho. Não vejo a tecnologia moderna como algo tão diferente. Para nós, qualquer perigo tem mais a ver com a situação psicológica entre homem e máquina. Tentamos trabalhar do nosso lado, desenvolvendo uma atitude mais amigável com as máquinas, e, como resultado, elas sempre foram muito amigáveis conosco. Pelo menos nunca tomamos choque ou sofremos acidentes.
Keyboard – Vocês trarão dois novos membros para a turnê americana de setembro.
Ralf Hütter – Na verdade, já conhecemos eles — Fritz Hilpert e Fernando Abrantes — como engenheiros eletrônicos há alguns anos. Eles vão fazer percussão e controlar os equipamentos, e Florian e eu vamos programar nossos robôs e fazer a mixagem. Usaremos projeções de vídeo em uma grande tela, com imagens geradas por computador que correspondem às músicas, junto com filmagens de “Autobahn”, do “Trans Europe Express” e trechos de nossos vídeos.
Keyboard – Como funcionam os robôs no palco?
Ralf Hütter – Eles são controlados por teclado. Um engenheiro alemão, conhecido do Florian, os programou. Normalmente ele trabalha com computadores de escritório e coisas assim, mas o convencemos a usar suas habilidades numa outra área. Os robôs são programados, mas podemos reprogramá-los. Veremos o quão confiáveis são e até onde conseguimos que improvisem.
Keyboard – Por que decidiram construir esses robôs em primeiro lugar?
Ralf Hütter – Temos essa composição, “The Robots”, do álbum The Man-Machine: “Somos programados apenas para fazer / Qualquer coisa que você quiser”. Antigamente, usávamos manequins de vitrine, mas eles não se moviam, então o próximo passo lógico foi ter robôs. Eles são feitos de plástico, com braços de metal e nossos rostos remodelados. São idênticos, embora talvez desenvolvam um pouco mais de individualidade ao longo da turnê.
Keyboard – De Hardware a Robocop e O Exterminador do Futuro, a cultura pop parece obcecada por robôs. Por quê?
Ralf Hütter – Porque são máquinas muito próximas do ser humano, tanto na aparência quanto no comportamento. Todo o nosso trabalho trata dessa relação próxima entre homem e máquina. Por isso escrevemos a música “The Robots”. Não nos sentimos alienados, porque passamos muitos anos tentando estabelecer uma relação mais próxima com as máquinas, uma abordagem mais holística do que apenas vê-las como coisas externas, como armas de agressão ou algo assim — mas sim como extensões de nós mesmos. E, em troca, recebemos muito retorno delas, e isso nos fascina.
Keyboard – Vocês se interessam por realidade virtual e outros desenvolvimentos cibernéticos recentes?
Ralf Hütter – Sim, de certa forma. Seria maravilhoso incorporar realidade virtual às nossas apresentações. Quando formos à América, gostaríamos de conhecer algumas das pessoas da Califórnia que estão desenvolvendo essa tecnologia. Sabe, quando ouvi o termo “realidade virtual” pela primeira vez, pensei que, para mim, a música sempre foi como uma realidade virtual. Com algo como “Autobahn”, você pode realmente ver a paisagem enquanto ouve, porque nossa música tem uma qualidade muito visual. Então, quando li sobre realidade virtual e sobre pessoas entrando em mundos gerados por computador, pensei: “Fazemos isso com música há anos”.
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