terça-feira, 8 de julho de 2025

Ralf Hütter — Ciao Magazine — Setembro — 1991


 Entrevista com Ralf Hütter publicada na revista Ciao Magazine em setembro de 1991 (versão italiana):


Ciao Magazine – Quando nos encontramos na Itália, vocês manifestaram a intenção de lançar um álbum ao vivo. Depois saiu a coletânea. E agora?

Ralf Hütter – A verdade é que as faixas de The Mix foram pensadas e remixadas para se tornarem um álbum ao vivo. No sentido de que também foram retrabalhadas digitalmente e tratadas com amostragens criadas a partir das antigas gravações dessas mesmas músicas. Começamos por Autobahn, eliminando o material dos três primeiros discos porque há anos não tocamos mais essas músicas ao vivo. Obviamente, faixas como The Model foram sacrificadas, pois não era possível incluir toda a nossa produção mais relevante — mas isso pode significar que em breve uma segunda coletânea poderá ser lançada. Os shows na Itália e na Alemanha serviram como primeiro banco de ensaio para experimentar e aprimorar nosso som. Para isso, levamos sempre conosco os equipamentos dos estúdios Kling Klang, que reduzimos e transformamos em um estúdio compacto e transportável. Após terminarmos a mini-turnê na Itália, voltamos para a Alemanha para fazer mais algumas datas e, em Düsseldorf, finalizamos as gravações do nosso ao vivo. O disco reunirá todas as nossas músicas mais famosas, de Tour de France a Radioactivity.

Ciao – Então, apesar de tudo, vai sair um álbum ao vivo...

Ralf Hütter – Acho que sim. Será um mix do que vocês ouviram nos concertos italianos.

Ciao – Falando do início de vocês, sei que vêm de formação musical clássica. O que você lembra das aulas no Conservatório de Düsseldorf?

Ralf Hütter – Eram normais, voltadas para pessoas da alta burguesia.

Ciao – Naquela época vocês já tocavam instrumentos eletrônicos?

Ralf Hütter – Não, tocávamos instrumentos acústicos. Só mais tarde abandonamos esse tipo de música e nos dedicamos à eletrônica contemporânea. Vivendo na Alemanha, na região do Ruhr, caracterizada pelas numerosas indústrias metalúrgicas, nossa música representa a trilha sonora do cotidiano. Nossas composições, no entanto, não são desprovidas de um pano de fundo cultural que parte da música clássica alemã, especialmente Beethoven. Por outro lado, há também referência à música eletrônica de Stockhausen, embora nunca tenhamos tido contato pessoal com ele. Esses foram os pontos de partida para desenvolvermos os ritmos industriais. Nossa música é mais normal e dinâmica em comparação à dos Tangerine Dream, que é contemplativa e meditativa.

Ciao – Antes você definiu sua música como “trilha sonora do cotidiano... para desenvolver os ritmos industriais”; essas ideias já haviam sido expostas pelo futurismo. O que vocês herdaram daquele movimento?

Ralf Hütter – Nos interessavam a velocidade, o movimento e a teoria de A arte dos ruídos, de Luigi Russolo, que deu início à pesquisa musical de vanguarda. É aí que podemos situar o começo da música dos ruídos, e é a essa família espiritual que nos sentimos idealmente ligados.

Ciao – Do que vocês mais foram influenciados no começo da carreira?

Ralf Hütter – Da vida cotidiana.

Ciao – Como se conecta o seu primeiro lançamento discográfico como Organisation com o nascimento do Kraftwerk?

Ralf Hütter – Foi um período em que o grupo mudava sempre. Uma vez fazíamos uma coisa, outra vez outra. Tanto eu quanto Florian tocávamos com muitos músicos. Em 1970, construímos os estúdios Kling Klang, e foi daí que nasceu o Kraftwerk.

Ciao – Que resultados vocês alcançaram usando os equipamentos dos estúdios Kling Klang?

Ralf Hütter – É tudo digital, analógico-digital e computadorizado. Isso nos permite reproduzir qualquer tipo de som e compor o que chamamos de música contemporânea.

Ciao – Qual é a relação entre a música e as imagens computadorizadas que aparecem nos seus vídeos?

Ralf Hütter – Não gostamos de nos limitar apenas à música: somos multimídia. Há uma conexão estreita entre música e imagem. Através das experiências que tivemos trabalhando com profissionais do New York Institute of Technology, conseguimos criar um diálogo entre elas. Criamos vídeos baseados justamente nessa relação.

Ciao – Os shows que vocês apresentaram na Alemanha são semelhantes aos que fizeram na Itália?

Ralf Hütter – Sim, mas atualizados conforme nossas necessidades atuais, porque estamos sempre trabalhando e tudo é constantemente renovado.

Ciao – No início, a crítica musical colocou vocês entre os artistas da cosmic music...

Ralf Hütter – Já mencionei isso antes, ao falar do Tangerine Dream e da nossa diferença. Na época, os críticos não tinham entendido que o Kraftwerk não fazia música cósmica, mas música terrestre. É verdade que a Terra faz parte do cosmo, mas fazemos música ligada à urbanização. A geografia musical alemã é muito variada: cada centro como Munique, Frankfurt, Colônia, Düsseldorf, Berlim, criou sua própria música. Nós, por exemplo, pertencemos a Düsseldorf e ao mundo industrial dessa cidade.

Ciao – Seguindo seu raciocínio, qual foi a influência de Munique na produção de Giorgio Moroder, que inclusive assimilou muitas das suas experimentações?

Ralf Hütter – Munique está mais voltada à música disco e é mais próxima da música de lazer de Los Angeles.

Ciao – Até que ponto a tecnologia é importante para a sua vida musical?

Ralf Hütter – Os sons sintetizados, computadorizados e a telemática são a nossa vida: queremos fazer um tipo de música que fale por si só, que seja transparente e una arte e tecnologia, como já acontecia nos anos 1920, na época da Bauhaus de Weimar. Desde então, o progresso tecnológico avançou muito rapidamente e hoje podemos nos considerar pessoas afortunadas, pois conseguimos até nos deslocar junto com nosso estúdio de gravação. Nosso pequeno mundo de computadores nos permite compor e gravar ao mesmo tempo em qualquer lugar onde estejamos.

Ciao – Muitos artistas, entre eles David Bowie, John Foxx e Gary Numan, afirmaram ter sido influenciados por vocês. O que pensam deles?

Ralf Hütter – Esses artistas desenvolveram sua própria versão da eletrônica contemporânea. Hoje, o efeito de feedback eletrônico faz com que muitos grupos se aproximem desse modo de fazer música, especialmente a black music com o som techno de Detroit.

Ciao – Em 1977 o punk renegou todos os outros tipos de música, inclusive a de vocês. Qual foi sua avaliação daquele fenômeno?

Ralf Hütter – O punk foi mais um movimento, nunca foi interessante para nós, porque não se podem criar sons novos com instrumentos antiquados. Mesmo naquele período, seguimos sempre nosso próprio caminho.

Ciao – Qual será o futuro da sua música e da música alemã?

Ralf Hütter – O futuro começa hoje. Existem muitos grupos jovens crescendo, inclusive alguns jovens negros amadores. Essas bandas são muito afortunadas, enquanto nós precisávamos de uma formação muito variada e extensa. Eles só precisam aprender a usar o computador e os pequenos teclados eletrônicos. Acho isso muito positivo.

Ciao – As críticas mais frequentes contra vocês dizem que sua música é fria e sem sentimento...

Ralf Hütter – Essas acusações foram feitas, ou ainda são feitas, por pessoas que não se conhecem. São baseadas em falsidades iniciais e não as consideramos aceitáveis. Além disso, se escutássemos tudo o que dizem nossos inimigos, entraríamos em paranoia. Só depois de agir e mudar as situações é que se pode parar para escutar. Nós fizemos a música verdadeira — assim como existe o cinéma vérité, fazemos a musique verité, porque todos somos robôs. Em nossos shows, apresentamos situações reais em forma de pequenas sinfonias, como Autobahn ou Trans Europe Express.

Entrevista por Giuseppe Cavazzoni

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