sábado, 16 de agosto de 2025

Kraftwerk — Ao vivo em Bruxelas — 14 de Agosto de 2025

 



A eletrônica atemporal do Kraftwerk toma conta de Bruxelas

 

Na noite de ontem, nosso apresentador Dominique Ragheb esteve presente na “Place des Palais” , em Bruxelas, para assistir ao concerto especial do Kraftwerk. Entre homenagem ao passado e mergulho no futuro, o grupo alemão ofereceu um espetáculo multimídia fora do comum.

A “Bélgica sempre foi um território acolhedor para a música eletrônica”, como mostram seus festivais de renome mundial e pioneiros do gênero como o Telex, cuja obra é reconhecida muito além de nossas fronteiras. O país soube reconhecer e celebrar, por décadas, os sons vindos das máquinas. No dia 14 de agosto de 2025, o coração de Bruxelas voltou a vibrar, apenas um mês após o concerto espetacular de Jean-Michel Jarre, agora ao som eletrônico gerado por outra lenda: o Kraftwerk.

Cinquenta anos após sua criação, o grupo de Düsseldorf, cuja influência na história da música é colossal, não apenas sobre o Techno ou o Ambient, mas também sobre o Rock de David Bowie, Joy Division, Depeche Mode*, e até sobre os efeitos de guitarra do U2 em Achtung Baby ,  esteve ali para uma exploração ampliada de seu repertório.

 Um show "Multimídia" além do tempo

 Batizado de “Multimedia Tour”, o show apresentou o quarteto como de costume: parados atrás de seus púlpitos, como silhuetas imóveis vestindo trajes com design ao estilo “Tron”, com linhas iluminadas. A formação alemã tocou como se estivesse encaixada em uma tela gigante, sobre a qual foram projetadas imagens retrofuturistas por quase duas horas.

O concerto começou com um turbilhão de números em estilo data vintage verde, à la Matrix, com a faixa “Numbers”, mergulhando o público de imediato nas atmosferas de “Computer World”.

História de amor entre um homem e seu computador, esse álbum conceitual de 1981 foi, ironicamente, o que mais recebeu tratamento analógico ao longo da carreira do grupo e foi o mais explorado no show. Um dos pontos altos foi a execução de “Computer Love”, com luzes rosa ácidas, lembrando ao público mais jovem (pois várias gerações estavam presentes na Place des Palais) que a música “Talk”da banda Coldplay é um empréstimo direto dessa joia do Kraftwerk.

Um tributo visual e sonoro à Bélgica

 Outro álbum bastante tocado foi “The Man-Machine”, com faixas como “Spacelab”, “Neon Lights” (acompanhada de projeções coloridas em estilo Dan Flavin, com tubos fluorescentes), e “The Model”, que mesmo com um pequeno problema técnico de sincronização, foi acompanhada por imagens de desfiles de moda em preto e branco dos anos 1950.

Como presente extra para a noite, o Kraftwerk preparou um espetáculo multimídia adaptado ao público belga, com a versão remixada e dançante de “Tour de France”, acompanhada de projeções do ídolo nacional Eddy Merckx e de criações visuais inspiradas em Bruxelas.

Quanto ao setlist, foi especialmente rico, incluindo faixas lendárias não tocadas nas apresentações anteriores. Foi o caso da leitura apocalíptica e em modo techno de “Radioactivity”, com a voz metálica de Ralf Hütter (quase 79 anos!) recitando nomes de desastres nucleares como Chernobyl e Fukushima, um momento que reforça o posicionamento ativista contra certas políticas nucleares do último membro fundador ativo do Kraftwerk.

Um mergulho multidimensional no tempo

Durante esse show multimídia e multidimensional, outros clássicos também foram tocados. Algumas faixas receberam tratamentos contemporâneos, com tempos mais rápidos e adição de frequências graves, levando as novas gerações a dançar. Outras mantiveram a sonoridade das produções Kling Klang do século passado.

Quando “The Robots” soou no bis, a dimensão funky apareceu em “Trans-Europe Express”, e os graves de “Autobahn” invadiram a Place des Palais. Ficou claro que “não se tratava apenas de um concerto”, mas de um verdadeiro capítulo da história da música, onde cada nota lançava o público rumo ao futuro… brincando com o passado.

Fonte : RTBF

 

 

 


terça-feira, 15 de julho de 2025

Ralf Hütter — Entrevista — Rolling Stone —15 de julho — 2025



Ralf Hütter: "Kraftwerk é uma inteligência artística, não artificial" 
 Rolling Stone Itália  
15 de julho de 2025  

Encontrei em Roma um dos 100 artistas mais importantes do século XX, Ralf Hütter. Poderia dizer até 50, ou mesmo 30. Sem os Kraftwerk, que Hütter e Florian Schneider — músicos de formação eclética, de boa família — fundaram em Düsseldorf, a história da música pop não seria a mesma: Bowie, Sakamoto e o electropop inglês, o hip hop nova-iorquino, a techno de Detroit, ou seja, a origem de boa parte do que ouvimos e amamos até hoje devem algo a eles. Claro, eles também deviam algo a Stockhausen e Pierre Schaeffer, a Schubert, Brian Wilson, à Bauhaus e aos fantasmas da Alemanha pós-nazista. Permanece inatingível o sublime romantismo retrô que percorre seu repertório, o otimismo futurista que beira o sarcasmo e o humor negro, desde a viagem de *Autobahn* (1974) — 23 minutos no carro com o som da buzina e o ronco do motor, o rádio sintonizado em uma espécie de surf pós-atômico: "Wir fahr’n / fahr’n / fahr’n / auf der autobahn".  

Durante todo o verão, nas salas do espaço Indipendenza — um grande e fascinante apartamento vazio do início do século XX, perto da estação Termini —, são projetadas em paredes inteiras meia dúzia de imagens do arquivo dos Kraftwerk: cenários de shows e fotos de cena. *Kraftwerk – The Man Machine*, a exposição assinada pelo próprio Hütter, é essencial e minimalista, como tudo que o cerca. "Éramos a primeira geração pós-guerra, ao redor não havia mais nada, e quando percebemos isso foi um choque. Depois, começamos a ver aquele vazio como um espaço para criar algo", ele me dirá em uma breve conversa.  

Encontro-o em uma das salas da galeria, vazias, como disse. Hütter tem 78 anos, mas aparenta 20 a menos. Calças, sapatos, camiseta preta, um suéter Fred Perry preto, uma invejável resistência ao calor romano. Ele é o único remanescente da formação clássica a levar adiante a máquina dos Kraftwerk, a última grande variação sobre as lendas românticas (e yiddish) em torno dos autômatos. Schneider morreu há cinco anos; Karl Bartos e Wolfgang Flur saíram nos anos 1980.  

Lê-se muito sobre sua discrição, suas raras entrevistas, respostas lacônicas. Sua infinita gentileza. Sua paixão por bicicletas. Ele está em ótima forma. Na semana que vem, tocará em Amsterdã, diz ele, e partirá um dia antes para ir de bicicleta com os outros membros dos Kraftwerk — 140 km (a banda se apresentará em Lajatico, Pisa, no dia 18, e em Taormina no dia 25). Esta entrevista será interrompida porque na TV está passando a cronometrada do Tour de France, e Hütter quer ao menos ver como termina. Como dizia a música: "Furo no pavê / a bicicleta consertada às pressas / o pelotão recomposto / companheiros e amigos" (Tour de France, 1983).  

O que é esta exposição?  

São gráficos e imagens criados por mim e por meu amigo Florian Schneider. Imagens que tornam a música visível, porque sempre trabalhamos de forma multimídia desde que começamos, no final dos anos 1960.  

Você já disse que tocavam em galerias de arte porque se sentiam mais livres lá.

Não éramos conhecidos o suficiente para tocar no circuito do rock. Na verdade, participamos de alguns festivais de rock logo no início, mas naquela época a cena artística era mentalmente mais aberta, é a verdade.  

Nos shows e nas capas dos discos, usavam imagens encontradas, da gráfica industrial, da Bauhaus. Fizeram tudo sozinhos ou alguém os ajudou?

Muitos nos ajudaram: fotógrafos, animadores, diretores, pintores, todos amigos nossos. Mas a ideia de usar aqueles gráficos era nossa, nossos eram os projetos e os roteiros. O que tentávamos fazer era tornar a música mais intensa e, sobretudo, visível.  

Além do piano, você estudou arquitetura.

A verdade é que fiquei um tempo na universidade só para ocupar lugar. Só pensava em música, e os Kraftwerk vêm principalmente da música. No final dos anos 1960, começaram a ser usadas projeções e luzes estroboscópicas nos shows. Não tínhamos muito dinheiro, então usávamos fotos e imagens muito simples também do ponto de vista da produção. Depois, conseguimos desenvolver essas ideias. Nos anos 1970, fizemos um pequeno filme em preto e branco para *Trans Europa Express*. Hoje, usamos quase exclusivamente CGA. Foi um desenvolvimento contínuo.  

Vocês se "exibiram" no MoMA, na Bienal de Veneza. Hoje, diria que os Kraftwerk são mais uma obra de arte do que uma banda de rock?

Não, para mim não há diferença. Sou a mesma pessoa que viu Muddy Waters tocar em 1963. Nunca gostei de exercícios de piano, do virtuosismo da execução. Sempre me interessou compor, juntar ideias de todas as linguagens, do design à fotografia. Como disse antes, o mundo da arte sempre foi mais aberto a nós. Hoje, somos representados por Monika Sprüth, uma grande agente internacional de Berlim, que nos colocou em contato com instituições como o MoMA, onde tocamos todo nosso catálogo em 3D.  

Trabalharam muito com a imagem do robô. O que acha do debate atual sobre inteligência artificial?

Os Kraftwerk são uma inteligência artística, não artificial. Ao usar a imagem dos robôs, sempre destacamos nosso lado artístico: ser criativos, atentos ao meio ambiente, abertos a tudo.  

Você já disse que robôs ajudam os artistas a ter uma vida. No YouTube, ainda circula um vídeo de uma apresentação de vocês no programa *Domenica in*, no final dos anos 1970. Quatro manequins dos Kraftwerk estão na plateia, vocês fazem playback no palco. Depois de um tempo, não se sabe mais quem é robô.

Sim, lembro. Motorizamos os manequins para que fizessem movimentos simples e participassem de sessões de fotos no nosso lugar. Naquela vez, a gravadora insistiu para que nossos manequins ficassem na primeira fila. Havia um pouco de humor, acho que o público entendeu bem.  

O apresentador era Corrado, que entrou na brincadeira. Aquela versão de *The Robots* é incrível e perturbadora. No fundo, eles ficarão lá para sempre tocando, os humanos não.

O robô é um sonho antigo, vem da Idade Média. Não devemos ter medo. Sempre pensei que, enquanto os robôs faziam o trabalho promocional, eu teria mais tempo para me dedicar à música. Robôs pertencem ao mundo da automação, podem tocar como sequenciadores, sintetizadores, hoje como computadores. Podem nos ajudar a executar músicas humanamente impossíveis, ao contrário de um piano normal, e isso abre novas soluções criativas e artísticas.  

Nunca perdeu o otimismo em relação à tecnologia?

Na verdade, quando começamos, não era um período tão otimista, havia muitas tensões sociais. Pensávamos no que poderíamos fazer para contribuir, ser positivos. Antes de *Autobahn*, toquei por sete anos com Florian. Os computadores chegaram muito tarde, na época só alguns compositores podiam usá-los; em comparação, éramos músicos de rua. *Autobahn* ainda é música de rua, de certa forma. Hoje, você pode se comunicar sem viajar, enquanto antes era preciso ir fisicamente. Como Kraftwerk, nosso trabalho nas antigas faixas é feito à distância. Ainda gosto muito de tocar ao vivo, tocar *com* a música, encontrar novas soluções todos os dias. O mundo, por outro lado, ainda está cheio de problemas e tensões.  

Muitos músicos devem algo aos Kraftwerk, de Bowie aos inventores da techno. Você já teve contato com algum deles?

Derrick May e Juan Atkins sempre foram muito gentis comigo. Fui muito amigo de Ryūichi Sakamoto, que escreveu a letra em japonês de *Radioactivity*; eu adorava tocar algumas de suas melodias maravilhosas. Infelizmente, ele também nos deixou.

Link original Rolling Stone 

domingo, 13 de julho de 2025

Ralf Hütter — Entrevista — Corrie Della Sera — 2025

 


Kraftwerk: a arte conseguirá sobreviver até mesmo à Inteligência Artificial

por Sandra Cesarale

Ralf Hütter, fundador da inovadora banda alemã: acreditamos na multimídia da música

Sou o operador do mini computador”: Ralf Hütter, cofundador junto com Florian Schneider dos Kraftwerk, recita com naturalidade em italiano um verso de “Pocket Calculator”, tal como foi cantado em 1981 na televisão durante o programa Discoring. Ele sorri e esclarece: “Mas eu não falo a sua língua. No entanto, estudei latim e sei francês”.

Ele acaba de chegar a Roma vindo de Stuttgart, onde os Kraftwerk fizeram um concerto para sete mil pessoas. O visionário grupo alemão, inovador da música eletrônica, também estará na Itália para dois shows em julho: dia 18 no Teatro del Silenzio, em Lajatico (“Espero tocar lá há dois anos”) e dia 25 no Teatro Antico de Taormina. Ralf, que completará 79 anos em agosto, está sentado em um dos cômodos do decadente e fascinante apartamento em estilo art nouveau, transformado na galeria de arte Indipendenza, que hospeda a exposição “Kraftwerk – The Man Machine”, organizada pelo londrino Michael Bracewell.

“A obra dos Kraftwerk sempre foi uma arte multimídia. Unimos filmes, animação, gráficos e álbuns. É como um poderoso show que torna a música visível. Criamos imagens que estimulam os sons. Nunca contratamos um artista famoso, tudo é feito em casa, por nós”.

Vocês começaram no final dos anos 60.

“Somos de Düsseldorf, no início nos apresentávamos apenas em galerias de arte, museus e pequenos clubes”.

Por quê?

“No mundo todo o rock’n’roll de sucesso nas paradas dominava. E nós éramos jovens experimentadores”.

Frustrante?

“Não, era exatamente o que queríamos ser e tocar”.

Os Kraftwerk, com robôs, naves espaciais e computadores, previram um mundo dominado pela tecnologia.

“Um pouco me assusta ter antecipado o futuro, a realidade, os acidentes. Nossa música poderia ser definida como um documentário de fantasia”.

David Bowie era um admirador de vocês, mas nunca colaboraram. Por quê?

“No final dos anos 70, nosso estúdio Kling Klang não estava equipado para gravações profissionais, tínhamos apenas os instrumentos para fazer nossa música. Por isso encaminhei David e Iggy Pop para Berlim”.

Uma oportunidade perdida?

“Não, porque justamente em Düsseldorf nasceu nossa amizade e as letras do álbum Trans-Europe Express também falam sobre nossa relação. A primeira vez que tocamos essa música ao vivo com os Kraftwerk, no Paradiso de Amsterdã, foi uma emoção inesquecível: tínhamos criado música a partir da vida”.

Sente falta de artistas como Bowie?

“Sim, obviamente. Mas precisamos continuar ouvindo e nos abrindo ao mundo”.

Agora é a Inteligência Artificial que cria músicos.

“Prefiro falar de Inteligência Artística, a criatividade expressa pelo indivíduo”.

A IA não é perigosa?

“Não, porque a arte e os artistas sempre sobreviverão”.

O último álbum, Tour de France, é de 2003. Quando virá um novo trabalho?

“Me perguntam isso com frequência: quando estiver pronto”.

Sem piadas?

“Agora estamos concentrados nos shows ao vivo. Nos novos concertos reunimos todo o nosso repertório. Nos últimos 50, 60 anos escrevi com meu parceiro letras e músicas que ainda hoje podemos levar ao palco”.

Seu parceiro, Florian Schneider, faleceu há cinco anos.

“Ele quis me ver antes de morrer. Sua perda me marcou profundamente. Começamos juntos em 1968. Não éramos uma banda, mas um instrumento. Florian deixou os Kraftwerk em 2008, muito estresse, ou talvez já sentisse que a doença havia começado a atacá-lo”.

O senhor olha para trás às vezes?

“Não, sigo sempre em frente”.

11 de julho de 2025

Link Original : Corrie Della Sera